O livro de Alfredo Pujol em 1917 foi a "resposta" ao de Sílvio Romero vinte anos antes, fixando-se com eles os pontos extremos da parábola em que a crítica machadiana amadureceria, por etapas sucessivas, até à consagração determinada pelo centenário, em 1939. Trajeto marcado, no lado negativo, por Pedro do Couto (1906) e Hemetério dos Santos (1910), "agressores radicais" inventariados por Josué Montello (Os inimigos de Machado de Assis, 1998). Entre essas datas, as pesquisas pouco encontraram para corrigir ou acrescentar a Pujol, tanto no que concerne à biografia quanto aos juízos críticos, inaugurando a idade moderna desses estudos, enquanto o de Alcides Maya, contemporaneamente elaborado, abria novas avenidas interpretativas (Machado de Assis: algumas notas sobre o humour, 1912).
É um clássico da crítica brasileira, agora em terceira edição revista por Carlos Jorge Appel, já que a da Academia Brasileira de Letras, em 1942, deve ser caridosamente ignorada (Porto Alegre/Santa Maria: Movimento/UFSM, 2007). Trata-se, dizia Augusto Meyer, do "primeiro livro de importância sobre Machado de Assis", com o que, bem entendido, esquecia o de Alfredo Pujol (o que é costumeiro entre os nossos críticos), acentuando-lhe, entretanto, o "tom apologético" ao mesmo tempo em que lhe reconhecia qualidades de "fina análise". Vejo nessas referências dúbias, tirando de um lado o que concedem de outro, qualquer coisa como o sopro do morcego depois da mordida, sabendo-se que Augusto Meyer estava cultivando a mesma seara para o livro de 1935, cujo tom apologético parece ter provocado, por sua vez, a reação intencionalmente desmistificadora de Agripino Grieco (1939).
Circulando juntamente com o de Augusto Meyer, exposto nas mesmas vitrines das livrarias, o livro de Grieco, nos meados do século XX, foi tão rumoroso e provocador quanto o de Sílvio Romero sessenta anos antes, roubando a Augusto Meyer a repercussão que poderia ter tido. Ele confessava sentimentos que pouco diferem dos leitores comuns: "Sou dos que encontram uma espécie de magnetismo suspeito em Joaquim Maria. Admiro-o resmungando contra a minha admiração. E até parece que o que mais aproxima tanta gente dele é mesmo o fato de discordar tanto dele, de se irritar tanto em dados trechos. No amor a inteligências dessas há qualquer coisa de indefinível como no vício do jogo". Perfeitamente compreensível em quem estimava Lima Barreto "o maior e o mais brasileiro dos nossos romancistas". Diga-me quem admiras, dir-te-ei quem és, porque os nossos julgamentos nos julgam, a polêmica sendo, em Agripino Grieco a qualidade predominante.
Ao tempo em que se escrevia humor pela grafia inglesa, Alcides Maya definia Machado de Assis como "profundamente pessimista", distinguindo-se dos humoristas "de além-Mancha" pela "mescla de negro ceticismo com as formas risonhas e nítidas": nele, o humor se definia pela "saliência repentina da contradição burlesca assaltando a sisudez das máximas a alternar com a graça leve, preponderante, do espírito latino". Desleitura corriqueira de Machado de Assis é esperar que seja um "humorista" na acepção corrente da palavra, obrigando-nos a cair nas gargalhadas. Seu "humor" está nas situações e nos caracteres, é o humor do sorriso, não do riso, conforme Alcides Maya observava com finura: Carlos Maria, Quincas Borba, o negociante Palha "são magníficas figuras de humour", como os "tipos admiravelmente pintados ou esboçados em D. Casmurro, desde Escobar, finamente traiçoeiro no seu perfil arisco, até José Dias, o homem dos superlativos, caricatura brasileira incisiva e forte, Camilo, ingênuo na vida moral e prática, que atraiçoa o melhor amigo [...] o Sales, usurário como a vida e avaro como a morte, que libertou a escrava para não acudir às despesas da sepultura [...] Miranda, fisionomia de pedra e fel, sorriso sardônico [...] o coronel Felisberto, olhos de gato que observa [...] Procópio, que mandava dizer missas pelo eterno descanso do homem que matara [...] o ilustre Dr. Jeremias Halma, grande homem, mas pobre diabo [...]".
Os que lêem Dom Casmurro virando sofregamente as páginas para saber se Capitu foi ou não foi adúltera ainda hoje os mais numerosos não tem gabarito intelectual para ler Machado de Assis, sendo aconselhável que se limitem às telenovelas. O humor, escreve Alcides Maya, "funda-se em assimetrias morais e desenvolve-se, portanto, em riscos de caricatura, arte de rebeldia contra as realidades grotescas, do protesto contra o disforme e o injusto, riso de espírito materializado em traços pelo talento dos artistas".
Essa é a natureza do humor machadiano, implicando na existência de leitores literariamente educados. É erro intelectual de leitura imaginar personagens diferentes dos que o romancista nos propõe. Não há nada fora do que está escrito: a "cigana oblíqua e dissimulada" realmente deitou-se com o solerte Escobar.
Deixe sua opinião