Tive o afortunado privilégio de ser o primeiro tradutor de Tristes Tropiques em português, porque o editor Paulo Duarte passou-me o volume recentemente publicado em Paris, remetido por seu amigo Claude Lévi-Strauss (1955), tradução que a editora Anhembi tirou em 1957. História curiosa, pois outra apareceu posteriormente em Portugal e ainda outra, mais tarde, no Brasil, sem qualquer referência recíproca entre elas. A primeira surgiu quando o autor apenas iniciava a carreira que o tornaria internacionalmente famoso como mestre de pensamento, inclusive no desenvolvimento do Estruturalismo, enquanto as outras aproveitaram a oportunidade editorial que se apresentava.
Sabe-se que Lévi-Strauss tomou por tema os "dois trópicos" o densamente povoado da Ásia e o subpovoado das Américas, considerados filosoficamente, para além do interesse etnográfico ou histórico propriamente dito, é uma meditação sobre o destino. Para compreender sua natureza profunda, basta lembrar a magnífica "abertura sinfônica" das primeiras linhas: "Odeio as viagens e os exploradores". A aventura sem seriedade transformara-se num ofício que consiste, não, como se poderia crer, em descobrir, ao termo de anos estudiosos, alguns fatos que permaneceram desconhecidos, mas em percorrer um número elevado de quilômetros e em reunir projeções fixas ou animadas, de preferência coloridas, graças às quais encher-se-á uma sala, durante muitos dias, com uma multidão de auditores para quem a insipidez e as banalidades parecerão miraculosamente transmudadas em revelação pelo simples motivo de que, em lugar de compilá-los em seu gabinete, seu autor se santificou por um percurso de vinte mil quilômetros. Que ouvimos nessas conferências e que lemos nesses livros? A enumeração das caixas transportadas, as reinações do cachorrinho de bordo e, misturados às anedotas, pedaços de desbotada informação, que se arrastam há um século em todos os manuais e que uma dose pouco comum de impudência, mas em justa proporção com a ingenuidade e a ignorância dos consumidores, não hesita em apresentar como um testemunho, que digo?, como uma descoberta original".
Para Lévi-Strauss, o homem, primitivo ou não, interessa sobretudo pelo que o ultrapassa: assim se explica que haja substituído a descrição pela interpretação. Se a maquiagem dos Caduveo ou o sistema social dos Boroco lhe prendem a atenção atenção aguda e criadora é menos pelos que são do que pelo que revelam: "estes campônios esfarrapados, perdidos no fundo do seu pântano proporcionavam um espetáculo bem miserável; mas a sua própria decadência só tornava mais sensível a tenacidade com que tinham preservado alguns traços do passado". Testemunha do fim das raças indígenas, tanto as do Brasil quanto as da Ásia, Lévi-Strauss procurava descobrir-lhes a "significação", penetrar, através dos lastimáveis bandos errantes dos Nhambiquara, por exemplo, o segredo do homem em geral e o do homem americano em particular.
No que se distingue do "explorador", encara o indígena não como exótico no espaço, mas como exótico no tempo, mais o tempo da quarta dimensão o intervalo cronológico que nos afasta uns dos outros. Sua viagem é, ao mesmo tempo, uma viagem para o passado e uma viagem para o futuro. Seu mundo é o mundo bergsoniano da duração ininterrupta e deslizante; mesmo o presente, se não é propriamente uma ilusão, não será mais apreensível que o futuro. O Tempo (com maiúscula) é o valor central de Tristes Trópicos, é o valor presente em todas as páginas, em todas as linhas: é no Tempo, e não no Espaço, que se escreve a história do homem; é o Tempo, igualmente, que a explica e que o explica. Tristes Trópicos é, em grande parte, uma busca proustiana do tempo perdido.
Aqui se coloca o problema, aparentemente, insolúvel das origens do homem americano. Hoje, escreve Lévi-Strauss, "depois de descobertas recentes e graças, no que nos concerne, aos anos consagrados ao estudo da etnografia norte-americana, compreendemos melhor que o Hemisfério ocidental deve ser considerado como um todo. A organização social, as crenças religiosas dos Gêrepetem as das tribos das florestas e dos campos da América do Norte; há muito tempo, de resto, que se notaram sem deduzir as conseqüências analogias entre as tribos do Chaco (como os Guaicuru) e as das planícies dos Estados Unidos e do Canadá. Tudo isso tem sido um pouco negligenciado, porque os estudos americanos foram, durante muito tempo, dominados por uma convicção: a de que a penetração do Continente era recentíssima, datando de apenas 5 ou 6 mil anos antes da nossa era é inteiramente atribuída a populaçõesasiáticas chegadas pelo estreito de Behring. A história pré-colombiana da América tornava-se uma sucessão de imagens caleidoscópicas em que o capricho do teórico fazia a cada instante aparecer novos espetáculos".