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Como todos os visionários. Monteiro Lobato dava por realizados os projetos que em cada momento concebia, obtendo o prodígio de fazer com que todos acreditassem com ele, tudo servido por um estilo de hipnótico vigor convincente (Marisa Lajolo/João Luíz Ceccantini, orgs. Monteiro Lobato, livro a livro. São Paulo: Unesp/Imprensa Oficial, 2008). Trata-se da literatura infantil, examinada por diversos colaboradores, prova, aliás, subsidiária para o que fica dito, porque, no seu espírito e no dos leitores (crianças e adultos), o Sítio do Picapau Amarelo e seus figurantes têm existência real – a realidade da fábula, mais real do que o vulgar cotidiano: "o mito é o nada que é tudo", diz o verso célebre de Fernando Pessoa. O visionário Monteiro Lobato, ou a literatura triunfante.

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Deixando de lado as tumultuosas campanhas do ferro e do petróleo, entidades igualmente míticas no seu pensamento, é a aventura editorial que mais de perto interessa à história do nosso e do seu pensamento. O lugar – comum, recebido com a evidência das verdades aceitas e, por isso mesmo, indiscutíveis, afirma que ele revolucionou os métodos e critérios empresariais, formando uma rede de 1.200 distribuidores de livros pelo Brasil afora, formada pela cooperação dos agentes postais, mais a aquiescência do comércio local, que receberia os livros em consignação. A verdade é que a maior parte jamais respondeu nem prestou contas, de forma que a revolução editorial teve o destino da batalha de Itararé: não houve.

Eis o que escreve a propósito Luís Ceccantini: "Ao tomarem como ponto de partida a biografia de Cavalheiro, também alguns dos estudiosos de Lobato [...] talvez tenham, de maneira mais ou menos sutil, transformado Lobato no inaugurador do mercado editorial brasileiro, fazendo tabula rasa de certa forma, de um processo de renovação que estava em curso. [...] ...haveria aí o risco de reduzir o Lobato-editor a um tipo de feições heróicas". Nas palavras de Cilza Carla Bignotto, aqui citada, "acreditamos que Monteiro Lobato foi revolucionário, mas não no sentido que esse termo lhe é atribuído comumente. Ele não teria criado uma rede nacional apenas com a circular enviada a comerciantes nem publicado apenas autores novos, nem pago direitos autorais generosos, nem inovado sozinho a indústria gráfica [...] ... foi revolucionário, sim, porque tornou profissionais práticas até então realizadas de maneira quase artesanal [...]".

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É próprio dos visionários desinteressarem-se das suas visões quando por acaso se realizem e, assim, foi providencial a crise energética de São Paulo, em 1925, que o "obrigou" a encerrar as atividades editoriais no momento em que já estava à beira da falência (consta que passava as tardes no escritório, jogando xadrez com os amigos). Seu sucesso começara quando Washington Luís, seu amigo e presidente de São Paulo, mandou comprar 30 mil exemplares do Narizinho para distribuição escolar, o mesmo Washington Luís, já então presidente da República, que o nomeou adido comercial no consulado de Nova Iorque, propiciando-lhe o contato com os Estados Unidos, "sonho tornado realidade", como diz um provérbio local.

Lobato será melhor compreendido se lhe aceitarmos a complexidade contraditória de temperamento. A experiência social e econômica dos Estados Unidos nos anos igualmente miríficos durante os quais se preparava a grande crise de 1929 (dir-se-ia que as vitórias de Lobato vão de crise de crise...), fez dele um entusiasta do progresso técnico e da ação prática. Seu sonho (novo sonho...) era transformar o Brasil numa réplica do que estava vendo, chegando, quanto a isso, a uma fórmula soberba: "Todos os nossos problemas, até os morais, são uma consequência da nossa inominável miséria", escrevendo a Artur Neiva em setembro de 1927: "Acabo de chegar de uma excursão de 560 milhas por estas estradas, não só maravilhosas como únicas" – "governar é abrir estradas" seria o mote da presidência Washington Luís. E, com característico entusiasmo lobatiano: "que estradas, que cultura, que gado, que cidades, que riqueza generalizada, que povo imensamente feliz!".

1927, setembro... As nuvens da tempestade já se acumulavam no horizonte: dois anos depois, dia por dia, a grande catástrofe faria desmoronar o belo edifício, e nós com eles, e também Lobato, arruinado pela bolsa de Nova Iorque. A essa altura, o visionário alimentava outros projetos, dar petróleo e ferro ao Brasil. Um jornalista de Maceió qualificou-o de "Victor Hugo do petróleo", mas o paralelo seria mais apropriado com Balzac, também prejudicado por empreendimentos que o arruinavam enquanto perdia o que ganhava com a literatura, exatamente como ele.