Nas grandes transculturações, como ocorreram no Paraná, o intercâmbio das culturas não se faz linearmente, uma a uma, mas de contatos múltiplos e simultâneos, com o gradativo esmaecimento dos traços originais. É a dialética aplicada à vida real, cuja síntese acabou por configurar o homo paranaensis. Claro, o resultado depende da contribuição inicial de cada uma: as influências mais compactas determinam-se pela demografia: os alemães, mais numerosos, terão predominado à primeira vista, seguidos dos italianos, poloneses... Poloneses? Polacos? Para o brasileiro "tradicional", polaco é designação pejorativa, devendo-se chamar de poloneses os descendentes da origem – com o que eles próprios não concordam, invertendo a semântica: "Os estereótipos como polaco sem bandeira [...] é pleonasmo, levando alguns descendentes dos poloneses a adquirir algum complexo de inferioridade em relação à sua origem étnica" (Ruy Wachowicz, citado por Dante Mendonça (A Banda Polaca: Humor do Imigrante no Brasil Meridional. Novo Século Editora: Osasco, SP 2007).

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Por inesperado, a questão imigratória transformou-se em problema linguístico, confirmando o velho Tobias Barreto: no Brasil, todas as discussões terminam em gramática ou negritude. A verdade é que, no vocabulário paranaense, "polaco" continua a soar como designação depreciativa, alimentando um anedotário pelo menos comparável, em volume maledicência, ao que se instituiu com relação aos portugueses, despertando as mesmas reações de ressentimento e hostilidade. E com derivações francamente ofensivas e escabrosas: "Foi no início do século 20 que "polaca" virou sinônimo de prostituta. A origem desse pejorativo é encontrada no livro Bertha, Sophia e Rachel: a Sociedade da Verdade e o Tráfico das Polacas nas Américas, de Isabel Vincent. Escrito a partir de documentos históricos, estudos acadêmicos e entrevistas, a autora de origem polaca conta do destino de jovens e pobres garotas judias que foram vendidas para a prostituição [...]". A contribuição local alimenta o repertório anedótico, talvez contaminado por rivalidades regionais: dava-se por entendido que as polaquinhas vinham de Santa Catarina, moças supostamente ingênuas que não escondiam a surpresa: "E eles ainda pagam!".

Como é óbvio, motivos de ordem econômica encontram-se nas origens da imigração polonesa para o Paraná, mas também motivações religiosas, segundo o relato de William I. Thomas e Florian Znanieck (The Polish Peasant in Europa and America: "Durante a grande onda de emigração polonesa para o sul do Brasil nos anos que precederam a guerra de 1914-1918, surgiu em certos distritos da Polônia a lenda de que o nosso estado do Paraná acabara de ser descoberto, dissipando-se o denso nevoeiro que durante séculos o envolvera. Foi a Virgem Maria quem, compadecida da sorte dos camponeses da Polônia, lhes apontara a nova terra, dizendo que fossem povoá-la. Outra versão da mesma lenda dizia que todos os reis e imperadores da terra fizeram uma assembleia para deliberar a quem caberia a região recém-descoberta. Três vezes apostaram e três vezes saiu vencedor o papa. Instigado então pela Virgem, o pontífice entregou o Paraná aos poloneses".

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Vale a pena assinalar que, superiores numericamente, os poloneses exerceram menos influência na vida paranaense. Despida de dinamismo, ela se efetiva no interior das áreas de intensa colonização da etnia. A meu ver, a principal razão desse fato é o seu enclausuramento na vida rural, sendo relativamente raros, àquela altura, os de vocação urbana e mais raros ainda os que ascenderam às classes dirigentes. A propósito desse desnível cultural há significativos testemunhos populares, como o de "Prima Quitéria", publicado no jornal 19 de Dezembro, segundo o qual os poloneses de Curitiba teriam o hábito de despejar o resultado de suas necessidades fisiológicas pelas ruas da cidade, empesteando-as de forma insuportável".

Mas, podemos terminar com uma nota alegre, o Grêmio Cheira Pescoço, sociedade de moças do quarteirão Bigorrilha [sic], que, "a meia noite, deu jantar de feijão, buxo e pé de porco", comida, dizia a correspondente, que "faz mal na barriga da gente que dança, vai tudo expelir pela boca, pelo campo, pelo caminho, pela ponte [...]". Aí, pelo menos, já era um polaco que protestava: as coisas estavam se encaminhando, inclusive, com o passar do tempo e a familiarização progressiva, o fim dos preconceitos. Paranaense de velha estirpe e espírito sensível às mudanças sociológicas, Bento Munhoz da Rocha abordou a questão com bom-humor: "Não se pode pensar o Paraná sem a figura do imigrante polonês... O polaco é nosso!".