O verdadeiro pode às vezes não ser verossímil, diz Boileau em verso lapidar que se ajusta didaticamente á vida de Paulo Coelho, objeto de Fernando Moraes em biografia exemplar pela amplitude da pesquisa (para a qual ele próprio forneceu grande parte do material), livro, digo de passagem, em que fui honrado com duas epígrafes, a primeira das quais não é certamente de minha autoria, o que atribuo á interferência maligna de alguma força sobrenatural, mas não importa (O Mago. São Paulo: Planeta, 2008).
Segundo Fernando Moraes, ele sempre alimentou o sonho de ser escritor: "Quando completou dezesseis anos, o pai, em um gesto conciliatório, ofereceu-lhe uma viagem de avião a Belém [...] o aniversariante disse simplesmente que não, que preferia ganhar uma máquina de escrever [...] uma Smith Corona que o acompanharia pela vida até ser substituída por uma Olivetti elétrica e, décadas depois, por um computador", instrumentos profanos de trabalho que serviram para receber as mensagens do Além. É que ele, como declarou, não desejava ser apenas um escritor, mas escritor famoso e rico, internacionalmente conhecido e celebrado, o que efetivamente conseguiu.
A Academia Brasileira de Letras sendo, por convenção, o coroamento para a carreira de escritor, seu espírito prático não tardou em sugerir-lhe as táticas mais indicadas para conquistá-la. No lançamento de O Demônio e a Sra. Prym, "a propaganda que a cidade ganhou em jornais e revistas de todo o mundo foi tamanha", comentaria Mônica Antunes, "que se tivesse de pagar por ela, a Prefeitura do Rio teria que investir uma fortuna". A outra particularidade foi a escolha do local: "Paulo preferiu organizar a festa protegido pelas conventuais [sic] paredes da centenária Academia Brasileira de Letras". O biógrafo acrescenta desnecessariamente que ele "estava de olho em uma cadeira do Olimpo da literatura brasileira, a Casa de Machado de Assis", passando a cumprir religiosamente, se assim me posso exprimir, todos os passos iniciáticos da campanha eleitoral: "Cortejava os líderes dos vários grupos e subgrupos em que se divide a casa, almoçava e jantava com acadêmicos e não perdia lançamentos de livros de imortais", ambicionando ser sucessor de Jorge Amado, o que seria uma dupla consagração.
Contudo, os orixás não permitiram e como, nas eleições acadêmicas, o candidato deve agarrar-se à vaga possível e não á desejável, Paulo Coelho acabou sucedendo a Roberto Campos, sem substituí-lo. A surpresa esteve no discurso de recepção, a que Fernando Moraes não se refere, peça modelar no gênero "oratória acadêmica", escrita com elegância, nobreza e sabedoria. Do ponto de vista estritamente eleitoral, é preciso dizer que as motivações dos acadêmicos vieram tisnadas pelo vil interesse, mas estavam enganados se esperavam do novo colega generosidade semelhante à do velho Francisco Alves. A candidatura foi claramente um gesto de vaidade e retorsão esmagadora aos críticos que geralmente se recusaram a reconhecê-lo como grande escritor.
Satisfatoriamente vingado, ele simplesmente ignorou de então por diante a Academia e seus ilustres confrades: "Se de fato algum imortal votou em Paulo Coelho na esperança de que 'o milho' fosse bom, deve ter-se arrependido amargamente. Em primeiro lugar, os holofotes internacionais que a presença dele atrairia para a casa jamais foram acesos devido à ausência do personagem principal: das mais de 200 sessões realizadas na ABL desde sua posse ele só compareceu a seis, o que o coloca em primeiro lugar no quesito absenteismo. A mesma frustração terá acometido os que sonhavam que parte dos royalties acumulados em sua centena e meia de países acabaria pingando na caixa do Petit Trianon. No testamento público lavrado em cartório do Rio de Janeiro e renovado três vezes depois da eleição não há sequer referência á Casa de Machado de Assis". No jargão acadêmico, explica Fernando Moraes, "milho bom" é metáfora que se refere aos "candidatos eleitos que podem trazer, além de prestígio, benefícios materiais para a instituição."
O discurso de recepção é ainda importante, e até importantíssimo, por revelar o manancial de onde Paulo Coelho tirou a inspiração e a matéria dos seus livros, as obras de Malba Tahan (nome literário de Júlio César de Mello e Souza, 1985-1974) que lhe povoaram a imaginação infantil "com lendas do deserto, dos céus e da terra, das mil histórias sem fim que o povo árabe conta, e que mais tarde estariam na gestação de meu livro mais conhecido O Alquimista". Famoso no seu tempo, Malba Tahan não tinha nem de longe o talento publicitário de Paulo Coelho menos ainda o seu instinto de negócios, nomeadamente os editoriais.
A figura que dele resulta desta biografia não é a de um místico (antes pelo contrário!), mas a de um homem supersticioso, dotado de espírito prático e nada indiferente às glórias mundanas.
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