Sim, de fato, o Brasil é um país racista, e até o mais racista do mundo, segundo afirmou, com excessiva retórica, um militante do movimento negro. Tal como na Alemanha nazista, a pureza de sangue tornou-se política oficial do Estado por meio de legislação específica, taxativa e mandatória: as "cotas raciais" no ensino e na vida pública, simultaneamente com o Estatuto da Igualdade Racial determinando a igualdade de todos, embora alguns sejam mais iguais do que outros, como na Revolução dos Bichos, de George Orwell (Peter Fry et al., orgs. Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio: Civilização Brasileira, 2007).
O que mais assusta nessa história, escreve Francisco Carlos Palomanes Martinho, "é a crença [...] de que as cotas contribuirão para o enfrentamento do preconceito. É exatamente o contrário. Na medida em que políticas públicas começam a induzir pessoas a declarar sua cor para fins de emprego ou acesso à universidade, será difícil conter o racismo. [...] É inevitável: a afirmação da raça como um valor transformará nosso racismo ". Pessoalmente, o que me intriga é a insistência por assim dizer mística (se não mitológica) na "universidade", quando o problema está justamente no ensino fundamental, destinado a preparar intelectualmente os candidatos para os cursos superiores.
Sem isso, a admissão dos estudantes pela "cor" e não pelo mérito transforma-se numa farsa insultuosa, desumana e arbitrária, cujo primeiro resultado será rebaixar a qualidade do ensino. Nos Estados Unidos, de onde copiamos o sistema sem conhecer o que significava, as universidades foram obrigadas a instituir cursos propedêuticos remediais a fim de habilitar os beneficiados pela "ação afirmativa" a acompanhar com um mínimo de aproveitamento os cursos desejados. A conseqüência é que tais candidatos aceitos com prejuízo dos melhor qualificados, ficarão para sempre sob a suspeita de estarem usurpando uma posição que não merecem, suspeita, bem entendido, que os acompanhará pela vida afora, sejam quais forem as suas reais qualificações.
É o que escreve José Roberto Pinto de Góes: "Não é o sistema de mérito que gera injustas desigualdades, mas a precariedade da rede escolar pública. [...] O sistema também não está baseado na manutenção de privilégios. Ao contrário, a alternativa ao mérito é justamente o privilégio, seja ele fundado na idéia de raça, na de pureza de sangue, no que se quiser inventar". O que realmente se vai instituir, conclui ele, é a "pedagogia da revanche, da dor e do medo", com os conseqüentes e inevitáveis conflitos.
Quanto ao Estatuto da Igualdade Racial, trata-se de uma "monstruosidade jurídica e conceitual. Ele pretende obrigar todas as pessoas a se classificarem como brancos ou afro-brasileiros nos documentos oficiais, ignorando os milhões que não se consideram nem uma coisa nem outra, e não reconhece a existência dos descendentes das populações indígenas, o grupo mais discriminado e sofrido da história brasileira. A partir daí, ele introduz direitos especiais para os afro-brasileiros na saúde, na educação, no mercado de trabalho, na Justiça e em outros setores. [...] O Estatuto abole o princípio constitucional de igualdade de todos perante a lei e cria uma nova categoria de cidadãos, os afro-brasileiros [...]" (Simon Schwartzman).
Estaremos assim criando uma "sociedade dividida em brancos e negros" (José Carlos Miranda), conforme demonstra Mônica Grin na respectiva análise: destinado (com muita demagogia) a combater a desigualdade e a injustiça, "estará renovando a injustiça, só que agora com a cor da pele trocada". Em outras palavras, há um mau racismo, que é o racismo dos brancos, e um bom racismo, que é o racismo dos negros. Contra o ideal salubre e construtivo da "democracia racial" (Gilberto Freyre sendo o "interlocutor oculto" desse debate, como o qualifica Ronaldo Vainfas), o Estatuto propôe a política de duas sociedades paralelas e reciprocamente hostia, pelo modelo do Zimbábue.
É para esse futuro que nos está conduzindo a demagogia de legisladores cujo primarismo intelectual não está mais para ser demonstrado. Citada por Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio, importante personalidade afirmou que "há formas científicas para determinar quem é negro, quem é branco, quem é pardo, quem é amarelo", opinião de que infelizmente discordam os especialistas em genética. Mas, não se trata disso: o preconceito não é uma questão científica, mas cultural, no sentido sociológico, e também no sentido imediato e corriqueiro da palavra cultura.