"Thibaudet trouxe consigo o espírito filosófico, que não se apoiá em documentos, em pesquisas, em analogias, mas forma a própria substância do raciocínio. Foi o primeiro que se aproximou da literatura com um instrumento sensível, dando início à crítica moderna no sentido próprio da palavra."
Com Thibaudet, é, pois, o espírito filosófico que faz a sua entrada na crítica literária. Acrescento, desde logo, que não se trata de um filósofo perdido na crítica, mas de um "literato", como diria Julien Benda, cujo espírito é filosófico, uma posição filósofica da inteligência. Ao lado de Floris Delattre, apenas Ramon Fernandez soube avaliar devidamente a sua contribuição, que acabou tendo na crítica do século 20 a mesma importância dominante de que Sainte-Beuve se beneficiou no anterior, conforme acentuou Gérard Genette. Tal como a Sainte-Beuve, os críticos posteriores dever-lhe-ão sempre alguma coisa. Sua presença será ainda mais predominante com a publicação das obras.
Sainte-Beuve introduziu a história na crítica; Taine, a sociologia cultural; Brunetière, o "método das ciências naturais". Thibaudet trouxe consigo o espírito filosófico, que não se apoiá em documentos, em pesquisas, em analogias, mas forma a própria substância do raciocínio. Foi o primeiro que se aproximou da literatura com um instrumento sensível, dando início à crítica moderna no sentido próprio da palavra. Como compreendia a crítica esse bergsoniano? Foi o primeiro dos grandes críticos franceses a comunicar as suas "réflexions" (como as chamava) a respeito da matéria, a sua "teoria da crítica", tratando de responder à questão fundamental: que é a crítica? - respondendo-a num pequeno livro que não guarda do século 19 senão o título: é uma "fisiologia", mas, sendo ao mesmo tempo uma "filosofia", pertence também ao século 20.
A palavra "fisiologia" deve, pois, ser compreendida no sentido largo e um pouco impreciso que lhe davam os oitocentistas: fisiologia do gosto, fisiologia do casamento, do capitalista de Paris, do empregado... Num século em que a ciência era imperialista, substituira-se "filosofia" por "fisiologia", com a ambição de oferecer uma idéia de conjunto, ao mesmo tempo larga e profunda das questões. Nascido em 1874, Thibaudet guardava um pouco em seu espírito os vestígios de uma formação que deveria ser "científica" e um resto de respeito pelos grão-mestres que possuíam os segredos e lhe dirigiam o culto. Esse crítico, além disso, ostentava um concurso universitário "científico" (mas da Faculdade de Letras), o de geografia e história. Entretanto, desde a primeira linha apresenta o problema da crítica como uma questão filosófica: para ele, a crítica é uma filosofia da literatura, é a filosofia da literatura.
Sem dúvida, havia nele um degustador dos bons vinhos, um apaixonado da boa cozinha. Os livros lhe são o ponto de partida para uma meditação de conjunto sobre a literatura, mas também, e antes de mais nada, uma fonte de prazer quase físico. Vimos que as imagens vinícolas, abundantes em sua obra, são alguma coisa mais que simples imagens: um livro de Stendhal, de Flaubert, provocava-lhe o mesmo gênero de sensações que uma garrafa de legítimo Vouvray. Eu o vejo distintamente acariciando o dorso dos livros antes de abri-los, cheirando os diversos odores que carregam, essa atmosfera de cola, de papel velho ou novo, de produtos químicos, da naftalina ou de perfume. Ao tempo em que as págínas não eram aparadas, eu o vejo cortando-as como quem corta um melão, esperando ver escorrer o suco saboroso.
Abram a primeira página da História da literatura francesa: "Existe um amor das Letras por elas mesmas, no seu espírito e na sua materialidade, fora do qual não há crítica nem história literária vivas, como existe um amor físico do teatro, fora do qual não há verdadeira literatura dramática, como existe um amor do Estado sem o qual não há, num político, alma política. Peço que encarem este quadro da literatura francesa como outrora se recebeu o Tableau de Paris, de Marcier: o autor escreveu-o, acima de tudo, como cidadão, burguês, basbaque da República das Letras, com seu lugar habitual no terraço do seu café, marchando com as suas bandas de música, orgulhoso dos monumentos de sua cidade e assíduo às sessões da sociedade que os conserva, fazendo cada manhã o seu giro das obras novas, trazendo um debaixo do braço como um melão bem escolhido, abrigando sob o guarda-chuva a bela idéia que surgiu, como o diz aproximadamente Diderot, e resignando-se, aliás, a que sua idéia tenha sido mais ou menos seguida por Diderot ou qualquer outro".
Esse basbaque da República das Letras sabia ser também a sua inteligência vigilante e esperta. E, para prová-lo, bastaria lembrar que foi o primeiro a encarar seriamente a crítica literária como uma filosofia da literatura, acentuando, embora, que ela deve empregar a criação ao serviço da inteligência: a verdadeira crítica "coincide com o movimento criador dos homens, das obras, dos séculos, das literaturas, é certo, mas ela o faz com a energia e a originalidade de seu próprio movimento criador". É nessas perspectivas que se deve entender a distinção que propõe a propósito das três formas de crítica: simpatia com um artista, simpatia com uma obra, simpatia com um movimento.
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