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A criação é por onde se revela o caráter essencial da crítica, consistindo em estabelecer vistas de conjunto, meditando sobre os problemas, refletindo na ordem da inteligência e da compreensão o que o artista criou na ordem da imaginação e da sensibilidade. A ambição da crítica não será, pois, a de julgar ou dizer se um livro é bom ou mau, mas a de criar os "gênios" de que falava Thibaudet, como Chateaubriand dera ao seu livro o título de O Gênio do Cristianismo. O ideal mais alto da crítica seria o de escrever o "gênio da literatura", mas, enquanto isso, e considerando que se trata de ideal com múltiplas facetas, ela deve se contentar com a redação de alguns "gênios" particulares, como Sainte-Beuve ao estudar o "gênio" de Port-Royal, Nisard o "gênio do Classicismo, Taine o da literatura inglesa, Lemaitre o de Racine, Thibaudet o de Stéphane Mallarmé ou o do bergsonismo ou de trinta anos de vida francesa (estes últimos acrescentados por mim).

Essa é terceira das funções da crítica na enumeração de Thibaudet, que seria a mais importante se não se tratasse apenas de um artifício de estudo. Mas, há duas outras, em primeiro lugar o gosto. Ele reagia, precisamente, contra as atitudes pedagógicas da crítica por colocarem o verbo e o ato de julgar no lugar da palavra que preferia: goüter (apreciar). Em crítica, se tivermos gosto pelo menos uma parte do resto virá por acréscimo. O julgamento, no que tenha de excessivamente lógico (o "julgar, classificar, explicar", de Brunetière), opõe-se, em certa medida, ao gosto. Este último o completa e corrige, introduzindo a dose indispensável de sensibilidade no que tiver de intelectualismo excessivo. O julgamento sozinho nada funda em matéria literária, dizia Thibaudet, e ao que exibe de oracular, de autoritário, de pretensão à infalibilidade, o gosto opõe uma variedade, uma cultura, uma possibilidade e um hábito de comparar, isto é, o relativismo ao absolutismo, a idéia do múltiplo à do unitário.

Mas o gosto é um dos problemas mais complexos da vida intelectual, é um dos "universais" que a crítica não pode deixar de encarar, sabendo de antemão não poder resolvê-lo. O grande perigo a evitar, diz Thibaudet, é o de procurar e em seguida o de querer impor a precisão em matéria de gosto. Marmontel, que o definiu para a Enciclopédia, classificava-o como "uma espécie de instinto que julga as regras mas não as possui". Essa ausência de regras situa-o nitidamente no domínio da impressão, e não no da inteligência. Podemos tê-lo ou não, mais ou menos desenvolvido, composto de sensações mais ou menos ricas em sua variedade.

A pluralidade de sensações forma a escala do gosto: quem for capaz de experimentar muitos prazeres diferentes será o único competente para apreciá-los. Podemos em conseqüência atingir, em matéria de gosto, uma certa precisão, uma certa "média", abaixo da qual não se pode descer sem decair. É mesmo possível praticar uma educação do gosto, que, aliás, não consiste apenas em apreciar as obras de arte – domínio dos amadores. A crítica tem ainda o dever de compreendê-las, a ambição de criar e a obrigação de fundamentar as suas razões. O crítico lê não apenas pelo prazer da leitura, visto que o prazer do leitor logo se transforma no dever do crítico, assim como os prazeres da lua-de-mel logo se transformam no dever conjugal.

Há mais de uma "ordem" na família dos críticos. Cada um deles construindo somente na ordem de sua própria família espiritual, correspondendo aos quatro problemas que menciona: a ordem genética, a ordem tradicional, a ordem contemporânea e a ordem local. A primeira "constrói-se em torno da idéia de gênero; a segunda em torno da idéia de tradição; a terceira em torno da idéia de geração e a quarta em torno da idéia de país.". Tal a sua "teoria crítica", primeiro a erguê-la não com o auxílio de analogias mais ou menos aproximativas, mas a partir de grandes linhas intelectuais, sendo, por isso, legítimo precursor da crítica moderna.

A hoje esquecida Claude-Edmonde Magny dizia que a literatura estava se tornando cada vez mais um exercício espiritual, o que, a ser exato, terá em Albert Thibaudet o seu crítico paradigmático.

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