Na última quarta-feira (8), o filme "Tropa de Elite 2", que já é o mais visto do Brasil em 2010, bateu um novo e ainda mais importante recorde: tornou-se o filme brasileiro de maior público da história. Com 10.736.995 espectadores contabilizados até então, o segundo longa-metragem do Capitão Nascimento superou a marca que há 34 anos pertencia a "Dona Flor e Seus Dois Maridos", clássico do cinema nacional estrelado por Sonia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça.
Mas, se em números absolutos o desempenho de "Tropa 2" já impressiona, quando se compara as realidades do mercado de cinema no país em 1976, ano de lançamento de "Dona Flor", e hoje, o sucesso do filme de José Padilha torna-se ainda mais patente.
Dados obtidos pelo G1 junto à Ancine e ao Filme B, empresa especializada em análises da indústria cinematográfica no Brasil, mostram que em 1976 o país tinha uma quantidade maior de salas de cinema por habitante, que o preço do ingresso era mais barato e que os brasileiros iam, em média, pelo menos 2 vezes ao cinema por ano - hoje, esse índice é de apenas 0,6 vez.
"É uma surpresa que, numa situação totalmente diversa, um filme tenha ultrapassado essa marca que parecia insuperável de uma maneira tão avassaladora", diz o historiador do cinema brasileiro Fernão Ramos, professor da Unicamp e autor obras de referência como "História do cinema brasileiro" e "Enciclopédia do cinema brasileiro". "Nos anos 1970, as pessoas iam mais ao cinema, era um programa acessível e popular; hoje cinema é programa de classe média para cima", afirma o especialista.
A favor de "Dona Flor" pesa ainda o fato de que, naquela época, não havia videocassete ou DVD, muito menos pirataria pela internet, o que tornava a sala de cinema o destino único para quem quisesse assistir ao filme. E o valor médio da entrada era bem mais barato: US$ 0,39 então, contra atuais US$ 4,94. Com base em dados do Ipeadata (que diz que o dólar em 1976 valia R$ 3,881), o ingresso a US$ 0,39 valeria R$ 1,71 atualmente. Hoje, vale R$ 8,44 com base na cotação e fechamento do dólar na quinta-feira.
O executivo Marco Aurelio Marcondes, que coordena a distribuição de "Tropa 2" e acompanhou de perto a estratégia de lançamento de "Dona Flor" de dentro da Embrafilme, nos anos 1970, aponta ainda outra vantagem do longa de Bruno Barreto. "Foram formas de lançamento muito diferentes. Dona Flor foi lançado com menos de cem cópias, porque o custo era muito alto e não existia lançamento simultâneo nacional, as cópias iam viajando pelas capitais. Mas, em compensação, a frequência dos cinemas era maior, o número de salas era maior e a lotação de cada uma delas era infinitamente maior. Os cinemas de rua ofertavam uma quantidade muito maior de lugares e, logo, tínhamos uma taxa enorme de espectadores por cópia."
Mesmo assim, a proporção entre o público do filme e o total de ingressos vendidos no ano de estreia de "Dona Flor" coloca o longa de 1976 em desvantagem em relação a "Tropa 2". Se, naquele ano, um em cada 23 ingressos vendidos foi para ver "Dona Flor", em 2010, essa proporção é de um para dez ingressos em favor da aventura de Nascimento.
Erotismo vs. violência urbana
Mas ainda cabe perguntar: por que "Dona Flor" fascinou o público em 1976 e "Tropa de elite 2" parece tão atraente em 2010? Para Ramos, nos anos 1970, era o erotismo que arrebatava o público. Hoje, é a violência urbana. "Dona Flor estourou porque era uma ode ao desejo, era a liberação da sacanagem. Aquela mão na bunda da Sonia Braga tinha um significado enorme para o brasileiro naquele momento de saída da repressão, de fim de ditadura. De repente se abriu a possibilidade dessa erotização, algo que já fazia parte da alma brasileira e pode finalmente tomar outro volume", diz o especialista.
Já sobre o apelo de "Tropa de elite" junto ao público brasileiro, Ramos diz que "hoje a preocupação com a violência tem o papel que a sacanagem tinha em 1976". "Tropa está em sintonia com o clima que a gente está vivendo, de insegurança, violência, desilusão com as autoridades. Reflete uma necessidade do país de ter heróis e traz à tona a contradição dos direitos humanos", observa o acadêmico. "É uma atitude crítica meio metralhadora giratória, que derruba todas as instituições. Afinal, quem não é contra políticos ladrões? Contra policiais corruptos? Contra bandidos? Ele consegue o consenso sem dificuldade e, por isso, bate forte no público", conclui.
O historiador acrescenta que "Tropa 2" só conseguiu ultrapassar os 10 milhões de espectadores porque mirou além da classe média, atraindo também as classes C e D para os cinemas. "O segredo é que não é um filme de classe média, é feito para bater fundo no povão", opina. E por que a violência urbana cai no gosto popular? "Porque o povo não se vê só no herói, o povo se vê também na figura do bandido. O bandido é povo, é um irmão que escolheu uma outra via", observa Ramos, o que justificaria o sucesso não só de "Tropa de elite" como de outros filmes, como "Carandiru" e "Cidade de Deus", ambos incluídos entre os 50 maiores públicos do cinema nacional desde 1970.
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