Ele prepara um prato de macarrão com molho de tomate com pimentão, azeite de oliva, queijo parmesão ralado e muita rúcula. A receita é a típica "até eu faço", mas o segredo aqui é a forma de fazer. Em casa, vestido casualmente, cozinhando para amigos ou para o time de rugby da Inglaterra, ele se tornou um fenômeno no Reino Unido que se alastra pelo mundo, tem meia dúzia de programas de tevê alguns deles exibidos no Brasil no GNT e se tornou uma celebridade britânica tanto quanto Hugh Grant (o ator de Simplesmente Amor).
A mais nova proeza de Jamie Oliver é literária. Pouco antes de completar 30 anos, ele é o único chef a figurar entre autores consagrados na coleção de livros de bolso que a editora britânica Penguin lançou para celebrar seus 70 anos. Em meio a F. Scott Fitzgerald, Albert Camus, Homero e Virginia Woolf, está Something for the Weekend ("Algo para o Fim de Semana"), escrito por Oliver. Pode-se dizer que o interesse pela culinária nas letras seja em receituários, romances ou crônicas é tão antigo quanto a escrita.
Alguns exemplares importantes do gênero começam a ser lançados no Brasil. Entre eles, estão Memórias Gastronômicas de Todos os Tempos, de Alexandre Dumas (Jorge Zahar Editor, 148 págs., R$ 34), e Fome de Paris, de A. J. Liebling (Ediouro, 252 págs., R$ 39,90). Como se vê, Jamie Oliver pode ter iniciado uma nova onda, mas ele está longe de ser um pioneiro.
O livro de Dumas, gourmet mais conhecido como autor de Os Três Mosqueteiros e de O Conde de Monte Cristo, apresenta dois textos tirados do dicionário de culinária que o francês levou 15 anos montando hoje, o livro serve de referência a qualquer um que pesquise sobre cozinha francesa. O primeiro dos dois textos escolhidos dá nome à obra e tem a estrutura de uma carta escrita por Dumas ao amigo Jules Janin , na qual se fala sobre comidas de todo tipo (há até um ensaio hilário: "Reflexões sobre a Salada").
No segundo texto, "Pequena História da Culinária", Dumas narra aquilo que promete, fala sobre talheres, especiarias e a profissionalização da gastronomia da maçã degustada por Adão e Eva ao primeiro restaurante inaugurado em Paris. A começar por Dumas, a Jorge Zahar aposta em outros títulos com um pé na cozinha. A História do Mundo em 6 Copos, de Tom Standage, analisa as civilizações por meio das bebidas. Café, chá, destilados, cerveja e Coca-Cola o ícone da globalização são peças influentes em teorias de conspiração defendidas pelo autor.
O Que Einstein Disse ao Seu Cozinheiro, de Robert L. Wolke, ganhou um volume dois e, a exemplo do primeiro, traz textos que dissecam com humor as comidas de todo tipo, sejam compradas no mercado e cozinhadas em casa, ou degustadas em restaurantes. Ele procura responder questões do dia-a-dia, como a razão que leva alguém a chorar enquanto descasca uma cebola ou o porquê de pizzas e pães ficarem melhores quando assados em forno de barro.
Jornalista da revista The New Yorker durante boa parte de sua vida, A. J. Liebling (1904 1963) estudou durante um ano na Paris dos anos 20, a mesma que abrigava Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e James Joyce. Depois de voltar para os EUA, nunca conseguiu deixar a capital francesa de verdade. A relação sentimental que manteve com Paris o levou a viajar ao menos uma vez por ano, sempre em busca das sensações e dos sabores que marcaram a sua juventude.
Parte das lembranças que tinha descreveu em uma série de textos publicados pela The New Yorker. Transformados em livro, viraram Fome de Paris. O gosto pela culinária da França não foi exclusividade de Liebling. Talvez o escritor mais célebre a descrever sensações como o irresistível gosto metálico de ostras com vinho branco foi Hemingway, sobretudo em Paris É uma Festa, livro em que narra sua experiência (ou falta dela) como escritor na cidade luz.
Em Curitiba, o chef Flávio Frenkel lê muito sobre gastronomia, mas se concentra em livros técnicos do tipo que ensina uma forma diferente de preparar caramelo, segundo a qual, a 130º C é possível expandir a mistura, criando uma espécie de nuvem de açúcar. Fora desse campo, ele se interessa por obras que falam sobre o trabalho de outros profissionais recém-terminou o livro do chef australiano Tetsuya Wakuda ou que contam a história de restaurantes renomados caso do French Laundry, do Vale do Napa, na Califórnia (nele, a espera por uma mesa leva até seis meses).
"Quando a pessoa abre um livro de culinária, tem de estar pronta para entender uma experiência que é, na essência, física e química", explica Frenkel. Avesso ao culto do chef, indica, para quem está interessado em ler obras ligadas à gastronomia, Um Banquete de Palavras Uma História de Sensibilidade Culinária, do jornalista francês Jean-François Revel (editado pela Companhia das Letras em 1996, mas fora de catálogo). No universo de receituários, o negócio é começar mesmo pelo Dona Benta porque "não se aprende a dirigir em um Fórmula Um".
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