
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Serviço
A Luta, de Norman Mailer. Tradução de Claudio Weber Abramo. Companhia de Bolso, 232 págs., R$ 24. Livro-reportagem.
Há uma elegância na desenvoltura e rapidez com que dois boxeadores trocam socos em um ringue que encontra poucos paralelos em outras artes marciais. Por essa razão, o boxe, mais do que o judô ou o jiu-jitsu antes da popularização do UFC, exerce tal fascínio no espectador que mesmo lutas passadas são dignas de recordação. Foi com esse espírito que o escritor Norman Mailer transformou sua cobertura jornalística do histórico embate entre a lenda Muhammad Ali que nesta semana completou 70 anos e o então campeão mundial dos pesos-pesados George Foreman no livro-reportagem A Luta, publicado originalmente no Brasil em 1976 e agora em nova edição pela coleção Jornalismo Literário da Companhia das Letras.
Ocorrida em 1974, no Zaire (atual República Democrática do Congo), a luta em questão, batizada de "The Rumble in the Jungle" (algo como "O Estrondo na Selva") teve diversos significados. De certa maneira, como anunciado, foi o encontro de dois campeões negros para um público negro em um país negro televisionado para todo o mundo. Mas Foreman, hoje um bem-sucedido empresário dono de uma marca de grill elétrico, era visto por muitos na época como branco. Ele defendia o status quo americano, ao passo que Ali, convertido ao islamismo e impedido de lutar por três anos por recusar-se ao alistamento para a guerra do Vietnã, representava o entusiasmo da raça negra na era da luta pelos direitos civis e da ascensão do mote "black is beautiful".
Mailer, com uma prosa sofisticada, nunca deixando de incluir a si mesmo na história como mais um personagem, acompanhou de perto a rotina de Ali meses antes do confronto. E é com uma ironia recheada de admiração nada velada que Mailer retrata o Ali brincalhão, repetitivo, autor de poesias toscas e dotado de uma autoconfiança aparentemente inabalável. Em contrapartida, o autor mostra também o simpático e bonachão Foreman, que, por baixo de sua candura, dá a impressão de que seria capaz de machucar mesmo uma pessoa fora dos ringues.
As personalidades complexas dos atletas só não suplantam seus estilos únicos de boxear, razão pela qual se tornaram lendas do esporte. De um lado o dançarino Ali, rápido e, principalmente resistente; do outro, Foreman, com um estilo muito mais agressivo, mas que nunca nocauteou ninguém, embora bata muito mais forte. Mailer descreve cada um nos treinos, nos esparrings escolhidos e na postura como encaram a rotina de exercícios. Cada aspecto que antecede a luta é descrito pelo escritor como se tratasse da mais densa e complexa arte performática, com linhas rebuscadas e que parecem não condizer com a brutalidade dos atos registrados.
Pouca gente poderia supor que uma luta de boxe mesmo a mais histórica das lutas de boxe rendesse um livro tão emocionante e cativante quanto A Luta. E foi essa a principal e valiosa lição jornalística de Mailer: extrair de um fato aparentemente raso e literariamente desimportante uma clássica história de luta de classes, confronto de egos e superação, além da ambientação histórica e geográfica peculiar do evento principal. A isso Mailer se presta e é exatamente o que colhe com A Luta: um impressionante relato jornalístico que poucos ousariam fazer.
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