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Obras citadas

- Dona Benta: Comer Bem (Companhia Editora Nacional)

- A Comida Baiana de Jorge Amado, de Paloma Jorge Amado (Record)

- Afrodite, de Isabel Allende (Bertrand Brasil)

- Como Água para Chocolate, de Laura Esquivel (Martins Fontes)

- Chocolate, de Joanne Harris (Record)

- Os Cadernos de Cozinha de Leonardo Da Vinci (Record)

- Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust (Globo)

- Gargântua e Pantagruel, de François Rabelais (Villa Rica)

- Comer como um Frade – Divinas Receitas Para Quem Sabe Por Que Temos um Céu na Boca, de Frei Betto (José Olympio)

- Fisiologia do Gosto, de Jean-Anthelme Brillat-Savarin (Companhia das Letras)

- Cozinha Confidencial e Em Busca do Prato Perfeito, de Anthony Bourdain (Companhia das Letras)

- Alhos e Safiras, de Ruth Reichl (Objetiva)

- Conto "Felicidade Clandestina", do livro homônimo, de Clarice Lispector (Rocco)

Há algum tempo, as receitas já não são estrelas solitárias da literatura gastronômica. Comer, por razões óbvias (o estômago ronca), nunca saiu de moda, mas o crescente interesse pela boa mesa vem tornando as estantes de cultura da alimentação e gastronomia uma das mais requisitadas das livrarias – e as que trazem mais novidades.

Há, inclusive, lojas especializadas como a Mille Foglie, de São Paulo, de propriedade de Gabriele Mascioli, a primeira no Brasil e na América Latina. A livraria possui hoje cerca de quatro mil títulos sobre gastronomia, bebidas e a arte de receber, entre outras leituras afins.

Mas, para usar uma expressão apetitosa, o que veio primeiro, o ovo ou a galinha? O desejo de retorno à cozinha surge naturalmente ou é conseqüência de mais uma estratégia marqueteira que envolve lançamentos de livros, revistas, filmes e programas de TV com chefs alçados à condição de astros?

"Os programas culinários são um grande instrumento de divulgação, mas acho que também há uma preocupação maior das pessoas com relação ao que se come", considera Rafaela Santin, que é jornalista para ganhar o pão e chef de cozinha para amassá-lo. Para Carlos Roberto Antunes, professor de História do Brasil na Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em História da Alimentação e Gastronomia, quatro elementos permeiam o discurso da alimentação moderna: saúde, estética, qualidade dos alimentos e sociabilidade. "Há um desejo de retorno à memória gustativa, à comida de qualidade. As pessoas estão voltando a procurar o ovo e o frango caipira, a broa preta, a panela de ferro", diz.

Mas, a alta gastronomia também atrai leitores ávidos por pratos inventivos e sedentos por vinhos refinados. Por isso, livros como Calor, de Bill Bufard, e O Perfeccionista, de Rudolph Chelminski, recém-lançados no Brasil, que contam a história de dois grandes chefes de cozinha, facilmente tornaram-se best sellers.

"Comer é uma atividade essencial para o ser humano. Mas à diferença dos animais, não comemos somente para satisfazer a nossa fome. A comida é impregnada de valores estéticos e hedonistas. Acho que esse hedonismo e essa busca pelo prazer estão cada vez mais na moda", considera Fabiano Dalla Bona, professor de literatura italiana da UFPR.

O status que se criou em torno do assunto, "que não condiz com a realidade da grande maioria dos profissionais da área", pode ser atribuído à disseminação da informação favorecida em tempos de globalização. A opinião é de Marcelo Katsuki, editor de arte da Folha Online e autor do blog Comes e Bebes. Realidade ou não, os livros de ficção que têm a mesa e a cozinha como cenários e as biografias sobre os bastidores da vida de chefs estrelados – aqueles que têm de uma a três estrelas no Guia Michelin – são um tempero a mais em meio aos livros de culinária disponíveis.

Os mais citados, entre os entrevistados, são A Fisiologia do Gosto, de Brillat-Savarin; A Cozinha Confidencial, de Anthony Bourdain; Alhos e Safiras, da crítica de gastronomia Ruth Reichl, entre outros. "Tudo o que envolva contar a história do mundo pela comida interessa, afinal, comer está presente na vida da gente várias vezes ao dia", diz Marcela Herz, publicitária que enveredou pela gastronomia e hoje é gerente da livraria Mille Foglie.

Alimento para a alma

"Pode-se considerar a gastronomia hoje o sexto elemento das belas artes", considera Carlos Roberto Antunes. Prova disso é a cozinha alquimista de Ferran Adrià, chef catalão que virou mito ao preparar pratos em que o quente e o frio, o salgado e o doce se misturam sem preconceitos, provocando uma "explosão de sabores" capaz de alterar humores – como fez Babette, no filme A Festa de Babete, ao promover um banquete que "virou a cabeça" dos moradores de um pequeno vilarejo.

Se, por si só, a culinária pode ser uma experiência transcendente, associada à literatura produziu obra-primas. A mais comentada é, sem sombra de dúvida, Em Busca do Tempo Perdido, do francês Marcel Proust (1871 – 1922). Um bolinho simples em forma de concha, chamado madeleine, muito comum no Nordeste francês, está na origem deste vasto romance em sete volumes. "As lembranças do menino têm a ver com o mundo da cozinha, dos legumes, dos doces. Ele (o personagem central) lê até a hora do almoço e sua avó é bastante exigente com a forma como os pratos tradicionais da família são preparados; é um ambiente burguês em que a comida, o universo doméstico, parecem ser experiências muito importantes na vida do menino, ao lado da leitura, é claro", diz Lúcia Cherem, professora de língua e literatura francesa da UFPR.

Desde a Bíblia, a comida é referenciada na literatura. Em seu livro de receitas Comer como um Frade – Divinas Receitas para Quem Sabe por Que Temos um Céu na Boca, o escritor e teólogo Frei Betto ilustrou suas receitas com inúmeras citações do livro sagrado, como, por exemplo, a de Ezequiel 3,3: "Criatura humana, que seu estômago e sua barriga se saciem com este rolo escrito que estou lhe dando". A metáfora assemelha-se à utilizada por Clarice Lispector no conto "Felicidade Clandestina", que abre a coletânea de mesmo nome, em que uma menina, proibida de ler As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, de posse do livro, quase o come. "Ela vive aquele livro", conta Lúcia Cherem.

Tradição literária

O gênio Leonardo Da Vinci, apesar de vegetariano, cozinhava tão bem quanto pintava. Foi chef de cozinha do Duque de Milão e, com o pintor Boticelli, abriu a taverna Três Rãs, mas foi à falência por não servir carne justamente em uma época em que a caça era o alimento privilegiado. É supostamente dele a autoria de Os Cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci, descobertos em 1980.

Outro renascentista, o escritor François Rabelais, é criador das figuras mais glutonas da literatura: Gargântua e seu filho Pantagruel. "Acho que Rabelais devia ser muito guloso. O jeito como fala de comida e da quantidade consumida pelos dois personagens revela isso", conta Lúcia.

No Brasil, a comida foi muito bem representada na obra de Jorge Amado, em que os prazeres da carne e os da mesa se confundem. Quer aprender a preparar o bolinho de carne frito pela protagonista de Gabriela, Cravo e Canela? Ou o quibe cru servido em Tocaia Grande? E a farta feijoada de Os Pastores da Noite? A filha do escritor, Paloma Jorge Amado Costa, levou seis anos pesquisando a obra do pai e compilou as receitas no livro A comida baiana de Jorge Amado.

Nos livros do escritor baiano, o sexo e a comida têm íntima relação, como em Gabriela, Cravo e Canela. "O amor à mulher e o amor à sua comida, o amor ao seu homem e o prazer de para ele cozinhar, sentimentos tão entranhadamente misturados, qual o mais profundo? É natural que as saudades de Nacib, após a separação, se expressem primeiro na forma de saudades da cozinheira, e que todo o desejo de Gabriela seja o de cozinhar de novo para Nacib", escreve Paloma, em texto introdutório às receitas.

Monteiro Lobato é citado por Marcelo Katsuki como criador de uma cozinha que habita na memória de toda uma geração. "As descrições precisas da movimentação pela cozinha da Tia Anastácia me fascinavam desde pequeno. Nunca entendi por que o livro de receitas é da dona Benta se a cozinheira era a tia Anastácia", brinca.

Na América Latina, a gastronomia alçou alguns livros à condição de best sellers. Alguns fizeram sucesso ao atribuir paralelos entre a comida, o amor e sexo. Exemplo são Afrodite – Contos, Receitas e Outros Afrodisíacos, da chilena Isabel Allende, e Como Água para Chocolate, da mexicana Laura Esquivel, que virou filme. Outro sucesso literário reproduzido nas telas é Chocolate, da britânica Joanne Harris, protagonizado por Juliette Binoche.

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