Antes das nove da noite de uma segunda-feira, em meados do ano passado, raios de luz salpicados de poeira do sol da meia-noite entravam pelas brechas das cortinas pretas do Gaukurinn, bar de rock no centro de Reykjavík, onde um microfone estava prestes a ser usado em inglês.
Sentados à mesa ao lado do bar bem abastecido, estavam um comediante australiano, Jonathan Duffy, de 31 anos, acompanhado de uma comediante islandesa, Bylgja Babýlons, de 29, e alguns outros aspirantes. Laptops estavam abertos para que todos pudessem conferir as apresentações da noite. Gisli Johann, de 26 anos, organizador do show e anfitrião, passou por lá para se certificar de que Duffy, seu substituto da noite, estava presente e que o show iria começar.
No fundo da sala, islandeses e turistas tomaram seus lugares às mesas com cadeiras dobráveis, de frente para um palco espaçoso, e uma cortina vermelha como pano de fundo para o microfone aberto chamado “Come Talk Funny”. Uma placa de madeira acima dizia “Goldengang Comedy”, o grupo da noite. Como não existem espaços específicos para o humor na Islândia e os bares frequentemente mudam de proprietários e conceitos, os comediantes se reúnem em grupos, fazendo apresentações em locais variados.
E funciona. Duffy preparou o público com piadas sobre a peculiar cultura islandesa – a língua aspirada, a sociedade que quase não utiliza dinheiro vivo, turistas perguntando “onde está a aurora boreal” – antes de entregar o palco a cerca de uma dúzia de comediantes que fariam uma apresentação de mais de duas horas.
Vitrine
O que começou como um microfone aberto tradicional se transformou em uma vitrine para comediantes experientes e iniciantes. Em um país de cerca de 350 mil habitantes que agora recebe mais de um milhão de turistas por ano, a comédia stand-up, ou “Uppistand”, surge como uma subcultura do entretenimento ao vivo na capital, Reykjavík. A primeira vez que houve apresentações de stand-up semanais em inglês no microfone aberto do Gaukurinn foi no ano passado, assim como shows de improviso ao vivo no vizinho Hurra e outras exibições no Lebowski Bar, espaço que existe há quatro anos na movimentada rua principal de Reykjavík, inspirado no filme dos irmãos Coen de 1998.
“Estamos meio que brincando de fingir. Queremos ter cenário de comédia similar ao americano, que não existe aqui, então temos que criá-lo”, disse Johann.
“Com o inglês, o público é maior. Só com o islandês, está limitado a cerca de 300 mil pessoas – e você nem gosta da maioria delas”
Antes de 2016, o único show regular de comédia ao vivo em língua inglesa era abertamente dedicado aos turistas: “Como se tornar um islandês em 60 minutos”. A principal fonte do stand-up veio do Mid-Island, coletivo seminal de comediantes da Islândia composto por quatro homens que, quase acidentalmente, iniciaram a tendência em um bar local, o Prikid, em 2009.
“Decidimos virar comediantes ao mesmo tempo”, disse Ari Eldjarn, um dos mais famosos da Islândia e integrante do Mid-Island.
O fundador do grupo, Halldor Halldorsson, rapper local e comediante conhecido como Dori DNA, fez a primeira apresentação no Prikid porque devia dinheiro ao bar. Agora, juntamente com Johann Alfred, Bjorn Bragi e Bergur Ebbi, contam com uma temporada de inverno com cerca de 60 a 70 apresentações no Teatro Nacional da Islândia.
Ambiente perfeito
Na época em que o Mid-Island se formou, sete anos atrás, o inverno havia chegado literal e financeiramente ao país: o colapso econômico de 2008 e a crise política criaram um ambiente perfeito para a comédia. Um ano mais tarde, um dos atores de sitcoms mais famosos da TV, Jon Gnarr, formou um partido político satírico, o Best Party, e acabou se tornando prefeito de Reykjavík de 2010 a 2014.
Se o seu mandato inspirou mais pessoas a tentar o stand-up ou não, até 2013, microfones abertos regulares podiam ser encontrados em locais discretos, como o Bar 11, organizado pelo comediante local Rökkvi Vesteinsson.
Quando ficou óbvio que havia bastante interesse, o próximo passo foi começar as apresentações em inglês.
“Com o inglês, o público é maior. Só com o islandês, está limitado a cerca de 300 mil pessoas – e você nem gosta da maioria delas”, disse Johann.
Boca a boca
Na noite seguinte ao microfone aberto, outro show gratuito no Lebowski Bar começou com a casa cheia, principalmente de turistas, que comiam hambúrgueres e tomavam a cerveja Viking. O Lebowski se presta bem a seu propósito. Rostos familiares do show do Gaukurinn encheram o bar com temática de boliche e se apresentaram na varanda estilo americana que fazia as vezes de palco.
“Os comediantes mais famosos podem achar que estamos nos vendendo por usar o inglês, mas isso divulga nossos nomes lá fora e também nos rende algum dinheiro”, disse Bylgja Babýlons após a apresentação.
Durante os meses mais escuros da Islândia, quando os turistas são mais escassos, ela e comediantes como Saga Gardarsdottir se apresentam mais em islandês, em shows corporativos de festas de fim de ano e, mais recentemente, em apresentações regulares com ingressos esgotados no bar Rosenberg e no centro de artes Tjarnarbio.
“A Islândia é tão pequena que o boca a boca é importante”, disse Saga, resumindo o caminho do sucesso para um comediante em Reykjavík.
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