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Jean-Pierre Léaud é o protagonista de Os Incompreendidos, primeiro filme do que viria se tornar uma “saga” em torno do personagem Antoine Doinel | Divulgação
Jean-Pierre Léaud é o protagonista de Os Incompreendidos, primeiro filme do que viria se tornar uma “saga” em torno do personagem Antoine Doinel| Foto: Divulgação

O ano de 1959 representou um novo divisor de águas para o cinema. Ao mesmo tempo em que o Os Incompreendidos, de François Truffaut, ganhava o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes, eram lançados Acossado, de Jean-Luc Godard, e Hiroshima, Mon Amour, de Alain Resnais.

São obras seminais de um movimento batizado pelos jornalistas da época de Nouvelle Vague (nova onda), para designar um grupo de novos cineastas franceses que revolucionaria o modo de filmar. "Se não tivessem criado esse slogan jornalístico no momento em que se realizava o Festival de Cannes, tenho certeza de que essa designação teria sido criada pela força das circunstâncias, no instante em que se tomasse consciência do número dos ‘primeiros filmes’", disse Truffaut (1932-1984) em entrevista concedida à revista Time Out, em 1973, publicada posteriormente no livro O Cinema Segundo François Truffaut.

Se juntos compunham um movimento, o que tinham em comum diretores como Godard, Truffaut, Resnais, Jacques Rivette, Claude Chabrol e Eric Rohmer? "Não há propriamente um movimento estético fechado em si, como o Dogma 95, por exemplo, mas um grupo de jovens realizadores que compartilhavam um mesmo espírito do tempo, espaço e cinema", explica Nísio Teixeira, crítico do site Filmes Polvo (www.filmespolvo.com.br) e professor de cinema do curso de Jornalismo da Universidade de Belo Horizonte.

O que os uniu foi, em primeiro lugar, o desejo de romper com o cinéma de qualitá francês, formado basicamente de adaptações de obras literárias de prestígio, e criar filmes mais autorais. O próprio Truffaut nega semelhanças. "Vejo apenas um ponto em comum entre os jovens cineastas: todos se preocupam com o sucesso de bilheteria, enquanto os antigos diretores preferiam retratar a época."

Mas há uma plataforma comum, como aponta o jornalista e crítico de cinema José Geraldo Couto. Todos tinham apreço pelo cinema "B" americano e por alguns autores como Alfred Hitchcock, Murnau e Orson Welles. "Há pouco em comum entre um Rohmer, mais plácido e clássico, e um Godard (da primeira fase), explosivo e polêmico. O que os unia era um desejo de renovar o cinema, de torná-lo mais próximo da vida, de estabelecer uma nova hierarquia de valores (e um novo panteão), de reciclar alguns gêneros, como o policial e o filme de amor", diz o crítico.

Cinema autoconsciente

Quem disse que "um crítico é um cineasta frustrado" certamente não ouviu falar na Nouvelle Vague, formada principalmente por críticos e ex-críticos da revista Cahiers du Cinema. "É uma geração que se formou vendo filmes. Quer dizer, é como se dissessem que o cinema já tem uma história e agora é a partir dela que se faz filmes", diz o crítico de cinema da Folha de S. Paulo, Inácio Araújo. Em julho, ele estará em Curitiba para ministrar um curso sobre outra referência para os jovens autores franceses: Howard Hawks.

"Essa cultura cinematográfica, verdadeira erudição em alguns casos, fez com que o cinema que eles fizeram fosse muito autoconsciente, tivesse sempre presente o diálogo com gêneros, autores e estilos", diz José Geraldo Couto.

O conhecimento cinéfilo permitiu-lhes rejeitar vários conceitos que consideram ultrapassados. "Em resumo, tudo o que dizia respeito ao cinema narrativo ‘clássico’, e abraçaram a idiossincrasia do autor, a importância de um diretor que ‘assinasse’ seus filmes com seu estilo, suas preocupações temáticas e por aí afora", diz Pablo Villaça, crítico e editor do site Cinema em Cena (www.cinemaemcena.com.br) e membro da Online Film Critics Society.

Frescor

O resultado disso é frescor, opina Villaça, e, principalmente, liberdade estética e narrativa. "Ao mesmo tempo, em vez de simplesmente rejeitar o cinema hollywoodiano, como muitas correntes lideradas por jovens cineastas tendem a fazer, eles simplesmente pinçaram os grandes diretores que consideravam como verdadeiros autores de suas obras, como John Ford, Hitchcock, Hawks, Welles. Isso permitiu que abraçassem também várias técnicas e elementos recorrentes das obras destes cineastas para complementar seus estilos próprios", diz.

Surge uma nova maneira de narrar a partir de fragmentos que já não se unem por um esquema dramático rígido. "Godard filma Acossado e, obstinado, não concordava em eliminar esta ou aquela sequência do filme. Convencido, permitiu que cortes fossem feitos, mas dentro das sequências. Pronto. E God(ard) cria o jump-cut, inovação que atinge os personagens, ambiguos, anti-herois que emergem embriagados pelo álcool, pelo fumo, pelo jazz e pelo existencialismo francês", conta Nísio Teixeira.

José Geraldo cita também a ruptura com certas regras de enquadramento e montagem e a introdução de diversos níveis de metalinguagem. "Chegando ao extremo nos filmes de Godard em que os atores olham diretamente para a câmera e falam ao espectador."

Os cineastas da Nouvelle Vague saíram às ruas para filmar em locações, como faziam os diretores do neo-realismo italiano que tanto amavam. Os equipamentos, agora bem mais leves, e a câmera eram "mais soltos, livres, o que devolve ao realizador uma certa liberdade primeva típica dos primeiros tempos do cinema", diz Nísio Teixeira.

Se a tecnologia mudaria os rumos do cinema em termos mundiais, por outro lado, os jovens franceses estavam mais interessados em tratar nos filmes de temas que lhes interessassem. "A Nouvelle Vague também ajudou a terminar com o fetiche da técnica", diz Inácio Araújo.

"Parece-me que os jovens realizadores estão mais preocupados com o que se passa na tela do que com a técnica. Atribuem uma grande importância aos personagens e assuntos de seus filmes. Têm um respeito maior pelo público e a ideia, um tanto ingênua, de que o que lhe interessa deve interessar aos espectadores", definiu Truffaut.

Serviço:

Howard Hawks, o Cineasta do Presente. Curso ministrado pelo jornalista e crítico de cinema Inácio Araújo, nos dias 17, 18 e 19 de julho. Maiores informações, pelo telefone (41) 3252-8554 e pelo e-mail casaaberta@julietteeditora.com.br

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