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Martin Scorsese relaxou, arregaçou as mangas e decidiu voltar às raízes com Os Infiltrados, filme que estréia hoje em circuito nacional. Depois de tentar, sempre em vão, levar para casa o Oscar de melhor direção por Gangues de Nova York e O Aviador, superproduções feitas sob encomenda para atender aos "padrões de qualidade" do prêmio, o cineasta resolveu que era hora de revisitar um gênero que conhece como poucos: o cinema de gângster. Decisão acertada. Seu novo longa-metragem, ba-seado no policial chinês Infernal Affairs, grande sucesso no mercado asiático, é seu melhor trabalho desde Os Bons Companheiros.

Os Infiltrados, ao contrário de Gangues e O Aviador, não tem a pretensão de "reconstituir um capítulo importante da América" e ser aceito como cinemão. Quer, sim, contar uma boa história que envolva, eletrize e instigue o espectador a se manter na ponta da cadeira, tenso e ansioso por descobrir o desfecho da trama. Esses objetivos, aparentemente modestos mas difíceis de serem alcançados, são plenamente atingidos. E com louvor.

Como em Os Bons Companheiros, o novo filme de Scorsese também parte da subversão de um menino que sonha com a ascensão social e o sucesso tão pregados pelo chamado sonho americano. Colin (personagem vivido na idade adulta por Matt Damon) é um garoto de classe média baixa, de ascendência irlandesa, que um dia cai nas graças de um dos maiores gangsteres de Boston, o maquiavélico Costello (Jack Nicholson, em atuação memorável). O mafioso o prepara, desde a adolescência, para que se torne um policial e, assim, possa atuar como agente infiltrado em nome do crime organizado. Um golpe de mestre, enfim.

A trajetória de Colin coincide, no entanto, com a insólita rota trilhada por outro personagem-chave do enredo. Billy (Leonardo DiCaprio, novo ator-fetiche de Scorsese), também descendente de irlandeses, tenta fazer o caminho inverso. Oriundo de uma família de bandidos e malfeitores, alguns ligados ao próprio Costello, o jovem deseja ingressar na polícia para limpar o nome da família, sobretudo de seu pai, um homem que jamais quis se envolver com negócios escusos, mas foi sempre discriminado por ser honesto.

Acontece que, enquanto Colin parece ser um tira acima de qualquer suspeita, Billy carrega o estigma de seu clã e desperta a desconfiança de seus superiores, que o submetem a uma prova de fogo: fazer-se passar por criminoso, ficar um tempo na cadeia, para depois tentar um lugar na gangue de Costello, com o objetivo de prendê-lo de uma vez por todas.

Duas faces de um mesmo espelho – no caso, a classe operária e imigrante da região ao sul de Boston –, tanto Colin quanto Billy estão à serviço de uma trama exemplar dentro da obra complexa de Scorsese. O diretor de obras-primas como Taxi Driver e Touro Indomável volta a lidar com o universo da crise da masculinidade, dentro do qual os personagens, todos muito frágeis emocionalmente e sempre à beira de uma crise de identidade, fazem uso da violência como forma de resolução de conflitos e de auto-afirmação. Elementos como catolicismo (a escolha de enfocar a comunidade irlandesa não é gratuita) e os dilemas morais e éticos enfrentados pelos personagens principais são igualmente reincidentes dentro do conjunto da obra do cineasta nova-iorquino.

Enorme sucesso de bilheteria nos EUA, onde já rendeu US$ 103 milhões e continua fazendo ótimo público, Os Infiltrados pode não ter o rigor estético de Touro Indomável ou a relevância sociocultural de Taxi Driver, mas, como esses dois filmes e Os Bons Compnheiros, tem o trunfo de ser um filme com uma marca. A de Scorsese, que, ironicamente, pode acabar ganhando o seu tão merecido Oscar, no fim das contas. GGGG

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