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Adonis Robles (“Abraçador de árvores anônimo”), Michael Nance (“Zecora”), e Liam Schneidel (“Poeira sombria”) | Andre Chung/The Washington Post
Adonis Robles (“Abraçador de árvores anônimo”), Michael Nance (“Zecora”), e Liam Schneidel (“Poeira sombria”)| Foto: Andre Chung/The Washington Post

Já faz mais de meia década desde o princípio do fenômeno dos “Bronies”, os adultos que amam o desenho “Meu Pequeno Pônei”, mas, como bem sabem, o mundo continua intrigado quanto à existência deles. Por isso, sua reunião recente, chamada de Bronycon, em Baltimore, começa com um curso rápido sobre como lidar com a mídia, que contava com algumas dicas úteis, como:

– não usar jargões como “original character” ou sua sigla “OC” [“personagem original”, em tradução livre, o termo usado para descrever personagens inventados pelos fãs, que não fazem parte do desenho, e são utilizados como seu alter ego]. Basta explicar que o seu nome de pônei usado nos círculos de Bronies é, por exemplo, “Champ Romanhoof”, a persona usada por Chaim Freedman, um Brony de 17 anos de Nova Jersey.

– perguntar quais as credenciais dos jornalistas. Certos jornais, de tendência conservadora, costumam ser rápidos em difamar os Bronies. Você nunca vai conseguir convencer esses jornalistas que o Bronismo é só mais uma comunidade de fãs, no melhor estilo americano, e não um tipo de fetiche sexual esquisito, nem uma incapacidade deplorável de superar certas coisas da infância.

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– falar mais das narrativas que você gostaria que os repórteres mencionassem em suas histórias, como o dinheiro que o Bronies arrecadam para caridade. “A mídia”, enfatiza Jake, o líder do seminário, “não é nossa inimiga”.

Jake é um especialista de comunicações do exército que leva um boneco da Pinkie Pie empoleirado no ombro, complementando perfeitamente o seu colete de camuflagem

Arco-íris de fãs de fãs que usam chifres de unicórnio

Jake é um especialista de comunicações do exército que leva um boneco da Pinkie Pie empoleirado no ombro, complementando perfeitamente o seu colete de camuflagem. Como muitas pessoas lá, Jake já recebeu muitas críticas por gostar de um desenho para crianças inspirado por um brinquedo de plástico barato cujo público-alvo eram menininhas do governo Reagan (ele comenta que uma vez chegou até a ser citado numa notícia que reclamava do cheiro dos Bronies).

Mas ninguém está na defensiva aqui. Uma Bronycon é o lugar mais seguro que tem para eles serem eles mesmos: Quando se está no meio desse arco-íris de fãs que usam chifres de unicórnio e crinas coloridas, que gritam bordões como “Fun! Fun! Fun!” e cantam músicas de autoria própria com títulos como “Mane Squeeze”, dá para parar de se preocupar com o que é normal e o que é esquisito. Tem lugar para todos.

A não ser que seja para usar a estranheza como motivo de orgulho.

“Nós somos os esquisitos!”, gritou um dos membros da plateia durante o seminário de Jake.

“É o nosso trabalho contar a história dos Bronies”, diz Jake, “e acho que a história dos Bronies é digna de ser contada”.

Jasmine Hudson, conhecida como “Vovó Smith”, ajuda seu filho, Judson Hudson, “A Grande e Poderosa Trixie”, a ajeitar sua fantasia para a foto Andre Chung/The Washington Post

Equino de plástico duro com olhões

A bem da verdade, temos algumas histórias sobre os Bronies.

Esqueçam os brinquedos dos anos 80. Sim, é verdade que, indiretamente, tudo começou quando a gigante dos brinquedos Hasbro, dos EUA, concebeu um novo produto para as crianças – um equino, de plástico duro, com olhões e uma crina e cauda de nylon que dava para escovar – que se tornou uma sensação nas festas de aniversário e inspirou a criação de um desenho meloso que passava nas manhãs de sábado.

Não é desse “My Little Pony” [conhecido no Brasil pelo nome “Meu Querido Pônei”] que os Bronies são fãs.

O cerne do Bronismo é especificamente o desenho “My Little Pony: a Amizade é Mágica”, que deu uma roupagem nova à franquia em 2010 e que tem vagas semelhanças com o desenho clássico, mas com uma estética totalmente distinta. A criadora é Lauren Faust, uma animadora com credenciais de peso no meio hipster e feminista, que amava o desenho original quando era criança, mas que queria reinseri-lo dentro do contexto do novo século.

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Ela nos apresentou personagens como Rarity, uma unicórnia vaidosa, com tendências a cuidar da vida dos outros; enredos tortuosos, como uma história em que um pônei macho se veste de fêmea para receber mais atenção; e participações especiais de celebridades (“Weird Al” Yankovic, por exemplo, dublou um personagem chamado Cheese Sandwich). Houve críticos favoráveis ao desenho mesmo fora do círculo do público infantil e dos fãs adultos. Todd VanDerWerff, numa crítica para o site A. V. Club em 2011, descreveu a série como “entretenimento legítimo, muito divertida”, mencionando como atrativos seu traço estiloso, o senso de humor esperto, os enredos, que são de uma complexidade surpreendente, e um tom geral que é incansavelmente animador.

Ainda assim, o público-alvo visado pela série continuava sendo o infantil, por mais que tivesse sua cota de piadas para a mamãe, o papai e os irmãos mais velhos.

Como nasce um Brony?

Jamais saberemos quem foi o primeiro Brony. Mas, pouco tempo depois de a série ir ao ar, imagens da sua protagonista, Twilight Sparkle, com sua turma, as Mane Six, começaram a se materializar nos fóruns do 4chan. Logo, as imagens haviam se multiplicado tanto que um subfórum separado foi criado só para elas, segundo Jose Castillo, o responsável pelas mídias sociais e imprensa da Bronycon.

Nathan Hall, um Brony de 29 anos de Rockville, Maryland, viu esses posts e não entendeu muito bem do que se tratava. Mas, certa noite, resolveu arriscar.

Quando amanheceu, ele já tinha assistido, a galope, todos os 10 episódios que haviam ido ao ar até então.

Mais tarde, ele forçou um amigo a assistir um dos episódios. Quando começaram a descer os créditos, “o cara vira para mim e pergunta, ‘Cadê o próximo?’”, Hall reconta.

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É basicamente a história arquetípica de como nasce um Brony, que consiste em cinco passos:

Ceticismo: quando um futuro Brony ouve falar da série a princípio, ele não consegue compreender como é possível que ela valha a pena pelo tempo investido. Mas, ainda assim, ele tem curiosidade para saber o porque de tanto barulho.

Exposição: o pré-Brony é levado a assistir um episódio ou dois, seja por estar entediado ou bêbado ou por causa de um desafio ou por ter perdido uma aposta.

Vício: quando se dá conta, ele já assistiu a série inteira. O xis da questão é o roteiro, o senso de humor, os temas sofisticados. Ele não consegue parar.

Evangelização: ele conta a seus amigos incrédulos, que, por sua vez, passam eles mesmo também pelas primeiras três etapas.

Bronismo: quando vê, o Brony assume um nome como “Boogie Hooves”, começa a usar orelhas ou cascos de mentira, ou um tiptop de pônei (ou tudo junto) em reuniões de Bronies que ocorrem no mundo todo.

Bronies = Trekies?

Para o não-iniciado, é claro que os Bronies parecem meio bizarros. Mas, no fim das contas, é uma subcultura como qualquer outra – não mais, nem menos estranha do que qualquer fã de Star Trek, por exemplo. A Bronycon, com suas fantasias e jogos e reuniões com os criadores de MLP, tem simplesmente um nicho mais específico do que a Comic Con, o festival nerd em San Diego que faz tempo já que entrou no mainstream.

E, sim, os Bronies são um pouco mais nerds. Mas talvez também um pouco mais fofos.

“Esses personagens pôneis me parecem mais reais do que algumas pessoas reais que eu conheço”, diz Bret Mix.

Mix é um homem de 45 anos que chegou à Bronycon com sua esposa Amy, 39, que visita o evento pela primeira vez, e sua filha Autumn, de 11 anos, que chega fantasiada como Luna

Mix é um homem de 45 anos que chegou à Bronycon com sua esposa Amy, 39, que visitou o evento pela primeira vez, e sua filha Autumn, de 11 anos, que chegou fantasiada como Luna, a pônei azul escuro que é a antagonista da primeira temporada, mas que depois se redime. Autumn diz que assistir à “My Little Pony” e participar das Bronycons lhe ensinou muito sobre diversidade e sobre como fazer amizade com todo tipo de gente.

Na verdade, os ares masculinos do prefixo “bro” de “Brony” são meio enganosos. Quase 20% dos participantes da Bronycon se identificam com o gênero feminino – elas são chamadas de “Pegasisters”. A fundadora da Bronycon é uma mulher trans, chamada Jessica Blank, que nesses círculos atende pelo nome de “Purple Tinker”. A convenção oferece também banheiros para todos os gêneros.

As mulheres representam por volta de 20% da Bronicon. Na foto acima, da esquerda para a direita: Melisse Grimm (“Pesadelo Lunar”), Amanda Riggins (“Blizzie”) e Tiffany Workman (“Celestia”) Andre Chung/The Washington Post

“Meu Pequeno Pônei” salvou minha vida

A maioria dos participantes tem uma devoção sincera à interpretação profunda dos conflitos e das dinâmicas encenadas por esses cavalinhos bidimensionais. Se for perguntar a algum fã qual é o verdadeiro tema por trás de “My Little Pony: a Amizade é Mágica”, você vai ouvir toda uma variedade de teorias – identidade de gênero, normas sociais, identidade queer, transtornos mentais.

Se perguntarem a Cadejo Jones sobre a personagem Luna, ele lhes dirá que ela é uma metáfora bastante convincente do vício em drogas.

E foi ela quem salvou a vida dele.

Num episódio da 5ª temporada, “Princesas Sonham com Carneiros Mágicos?”, um monstro gigante de fumaça, chamado Tantabus, invade os sonhos das pôneis, fundindo-os todos num único e imenso pesadelo. Mas, quando o Tantabus se prepara para sair do mundo dos sonhos e invadir o mundo real, Luna confessa, chorosa, às Mane Six que ela mesma criou o monstro para se castigar pelos males causados anteriormente à terra de Equestria. Twilight Sparkle então pede a Luna para que ela perdoe a si mesma – e, assim que ela consegue se perdoar, o Tantabus se desintegra.

Cadejo precisa de um momento para se recompor após exibir um vídeo com essas cenas para um público solene e respeitoso da Bronycon. Ele explica que esse episódio cristalizava tudo que ele precisava perceber para chegar à sobriedade. Ele o trouxe de volta quando Cadejo se viu à beira do suicídio.

Mas não foi só o desenho sozinho que o tirou das trevas. Foram também seus amigos Bronies.

“Os Bronies se importam com você”, ele diz.

Brilhe, brilhe, brilhe

Em outra sessão, o sociólogo Brian Newby ouve, muito interessado, conforme os Bronies fazem fila e vão chegando, um na sequência do outro, para explicar como “My Little Pony” levou-os a expressar suas próprias identidades. Uma moça diz que o desenho a ajudou a entender sua própria fluidez de gênero. Outra diz que ele a ajudou a aceitar sua deficiência.

“Quantas pessoas aqui sentem que se encontraram nesse fã clube?” pergunta Newby. Quase todo mundo na sala levanta a mão.

Para encerrar, uma das convidadas, a blogueira Taylor Ramage, pergunta se não tem problema se ela convocar o grupo para cantar uma canção. A música é uma coisa onipresente na Bronycon, numa mistura das canções do próprio desenho com as compostas pelos fãs, que tocam em cada canto.

Mas essa é um pouco diferente. Ela pergunta ao público se eles conhecem a canção tradicional “This Little Light of Mine”. Todo mundo faz que sim com a cabeça, com entusiasmo. Ramage explica que a versão dela só substitui onde a letra diz “little light” com as palavras “cutie mark” [“bela marca”, nas dublagens do desenho em português]. Em MLP, as “belas marcas” são marcas que os pôneis ganham em suas garupas quando chegam à adolescência – representações simbólicas da personalidade de cada pônei.

Todo mundo canta, então:

This cutie mark of mine, I’m gonna let it shine.

This cutie mark of mine, I’m gonna let it shine.

This cutie mark of mine, I’m gonna let it shine.

Let it shine, let it shine, let it shine.

[Em tradução livre, “Esta minha bela marca, eu vou deixar brilhar. / Que brilhe, que brilhe, que brilhe.”]

Tradução: Adriano Scandolara
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