Sete
A estreia literária do jornalista da Gazeta do Povo já ganhou um blog e tem sessão de autógrafos marcada em Curitiba.
Evento
Marcio Renato dos Santos prepara o lançamento de Minda-au no dia 27 deste mês (uma quarta-feira), às 19h30, no Quintana Café e Restaurante (Av. Batel, 1.440), (41) 3078-8944.
Na rede
Há cerca de um mês, Santos colocou no ar o blog minda-au.blogspot.com, em que presta homenagens a artistas como Nei Lisboa ao mesmo tempo que solta informações sobre a antologia Minda-au.
Inédito
Na última quarta-feira, o autor colocou no ar um conto inédito, que não faz parte do livro. O título é bizarro: "Golegolegolegolegah!".
Leituras
Além de escrever 30 minutos por dia, Santos diz que lê por pelo menos duas horas diárias e leva vários livros de uma vez. O que está lendo agora? Um Erro Emocional, de Cristovão Tezza; Baú de Ossos, de Pedro Nava; Ulisses, de James Joyce (na tradução de Antônio Houaiss); O Impostor no Baile de Máscaras, de Manoel Carlos Karam; um sobre filosofia budista e outro sobre judaísmo.
Influências
Contistas que fazem a cabeça de Santos: Guy de Maupassant, Sergio Faraco, Machado de Assis, Jamil Snege, Anton Chekhov e João Anzanello Carrascoza.
Viver uma vida plena só é possível por meio da literatura. Isso está claro para Marcio Renato dos Santos e não se trata de uma frase de efeito, embora assim o pareça neste início de texto. A última vez que parou de escrever por um tempo, percebeu que se tornava mais e mais intolerante aos eventos do cotidiano. A meia hora que usa para escrever todos os dias é uma espécie de oração que entoa para seguir vivendo.
O jornalista da Gazeta do Povo publica este mês o seu primeiro livro de ficção, Mindau-au, uma antologia de sete contos, um mais pessoal do que o outro pessoalidade que aparece já no título da obra (para saber o que a palavra significa, siga lendo).
O autor escolheu as narrativas num acervo de mais de 300 contos, produzidos ao longo de duas décadas. Hoje tem 36 anos e começou a escrever na mesma época em que se tornou leitor. Chegou a publicar textos ficcionais no jornal literário Rascunho (para o qual também produz resenhas com regularidade), no Suplemento Literário de Minas Gerais e nas revistas Ideias, Et Cetera e Arte e Letra: Estórias.
Dos sete contos de Minda-au, quatro já foram publicados em outros veículos, mas todos foram mais ou menos retrabalhados pelo autor e tratam de eventos que ajudaram a formá-lo. O que justifica o "Minda-au". O neologismo foi uma das primeiras palavras que o escritor disse na infância, apontando o dromedário que viu num quadro feito pela avó. "A partir de Minda-au eu comecei a me tornar Marcio Renato dos Santos", escreve à guisa de apresentação no livro.
Criados entre 2005 e 2008, os textos falam, por exemplo, de frustração amorosa ("O Espírito da Floresta") ou revelam o poeta que ele um dia foi ("Os Homens sem Alma"). Este é um texto em prosa, mas bem poderia ser em versos há nele uma repetição incômoda das palavras "os homens sem alma", mas com um final acachapante.
Em "Sub" (uma das duas melhores histórias do livro), Santos descreve um indigente que vive nos subterrâneos da cidade. "Esse personagem sou eu", diz. Assim como o personagem, o autor também vivia longe da vista de todos. Ao menos até amanhã, quando Minda-au chega às livrarias.
"Acho que a publicação do livro vai mudar a maneira como as pessoas me veem", diz. Embora seja escritor há 20 anos ainda que no segredo de sua casa e jornalista há 15, ter um livro publicado é o passo que faltava para ser encarado como escritor. Na verdade, um dos três passos.
Quando decidiu vir à luz, Santos bolou um projeto para concorrer a uma bolsa da Funarte, escreveu uma peça para Maureen Miranda dirigir e submeteu seus contos à editora Record (detalhe: sem a indicação de ninguém).
Não conseguiu a bolsa. A peça teatral Décimo Terceiro Andar foi aprovada na Lei do Mecenato e deve ser montada no ano que vem. E, coisa de filme, a Record avaliou os originais e decidiu bancar sua estreia literária. É um caso raro de escritor que envia obra sem a solicitação da editora e termina o processo com um contrato de publicação.
Ao receber a resposta da Record, por e-mail, mal pôde acreditar. Semanas depois, quando a prova de Minda-au chegou à redação do jornal, Santos quase teve um treco. "Eu ainda não assimilei o fato de que meu livro vai sair", diz. "É uma experiência semelhante à de perder alguém querido ou à de virar pai. Vou levar um tempo para... [e não termina a frase]."
Ele vai levar um tempo para aceitar.
A segunda melhor narrativa do livro, "Pra Quem Busca uma Nova Vida (ou Cinco Meses em Porto Alegre)", descreve a experiência de um homem que deixa uma rotina relativamente confortável em Curitiba para tentar a sorte em Porto Alegre. É um conto de formação. A experiência tem desdobramentos terríveis e o fim, que poderia ser encarado como um fracasso, é um arremate para algo que não estava certo. Ele desvia o fim edificante em nome de uma melancolia nostálgica, que perpassa o livro. Se fosse necessário resumi-las, daria para dizer que as histórias de Minda-au lidam com tristezas cicatrizadas.
Esse sentimento é ainda mais evidente no conto derradeiro, "Ali, Agora". Santos não conta no papel, mas quem inspirou a elegia foi Jamil Snege (1939-2003), autor do romance Como Eu Se Fiz por Si Mesmo (fora de catálogo). Um bom tanto do escritor que se tornou, Santos deve ao Snege. "Três pessoas que eu gostaria que vissem meu livro não estão mais aqui: o Snege, o [escritor] Wilson Bueno e o [crítico] Wilson Martins", diz, citando amigos mortos.
Movido por uma disciplina admirável e por um entusiasmo que o caracteriza, Santos vê literatura em quase tudo e todos. No texto, embora diga que ainda não encontrou sua voz, tem uma dicção peculiar, evidente no primeiro e também no último conto.
As frases curtas, cortantes, desenham aos poucos o que se passa na história. "A fome. Edward precisa comer. Mas não tem comida. A água a escorrer pelo chão. Edward precisa fazer algo. Mas não surge nenhuma ideia. Ele pensa. Mas boceja. Prefere adiar qualquer ação", escreve em "Sub".
É semelhante aos textos do jornal. Porém, nestes, não há melancolia.
Conciliar a ficção e o jornalismo é um feito. O escritor Tobias Wolff (O Despertar de um Homem), por exemplo, diz que largou o emprego como jornalista porque o trabalho o exauria. Quando voltava para casa, se sentia incapaz de escrever uma linha de ficção. Santos diz que consegue se preservar. Investe energia nas reportagens, mas sempre reserva um pouco para a meia hora diária de ficção.
Serviço: Minda-au, de Marcio Renato dos Santos. Record, 84 págs., R$ 22,90.
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