Habitué teve uma trajetória curiosa desde que foi escrita por Alexandre França até chegar ao palco do Mini-Guaíra, onde encerrou temporada no domingo, sob a direção do curitibano.
A peça passou por uma transformação, influenciada pelas leituras que o autor fez de dramaturgos contemporâneos, orientadas pelo diretor Roberto Alvim nas atividades do Núcleo de Dramaturgia do Sesi Paraná.
O que antes eram dois personagens a papear no bar, entre garrafas de cerveja, foi repensado como o encontro de um homem com sua consciência. E essa mudança é apenas uma das ideias de Alvim absorvidas pela obra de França.
A encenação contraria convenções teatrais básicas: deixa a atriz Maia Piva por longo tempo de costas para o público e oculta seu rosto sob uma iluminação mínima até as vésperas do fim. A atmosfera de penumbra, vale lembrar, é característica das mais marcantes na estética do Club Noir, a companhia de Alvim.
Da maneira como essas quebras de regras são feitas por Alexandre França, elas servem para tornar indefinida a identidade da personagem de Maia por vezes escondida (fundida) detrás do ator Otávio Linhares e sugerir, sem nomear, que ela representa a consciência dele. Enfim, fazem sentido dentro do que o espetáculo propõe.
Outra escolha um pouco mais ousada do diretor curitibano diz respeito ao uso do espaço e do tempo em Habituê. Volta e meia, Linhares sai de cena, criando momentos de espera. Vai ao banheiro, busca outra garrafa. E o espectador desfruta o silêncio e a ausência, percebendo o ritmo lento e cotidiano da ação.
São experiências como essas, repensando a cena a partir das propostas da peça, que tornam a montagem interessante. E elas poderiam ir mais longe. Por exemplo: se a movimentação de Maia pelo palco é toda planejada de forma a causar estranhamento e condizer com seu papel em relação ao personagem de Linhares, também a voz e o corpo da atriz poderiam ser trabalhados para atingir um estado alterado, próprio da consciência e distinto do ser humano.
O texto faz isso, em alguma medida. Incorpora em sua estrutura o modo próprio do homem se relacionar com sua mente, o que inclui embates, repetições obsessivas e pensamentos circulares. E se refere à personagem de Maia ora no masculino, ora no feminino, uma vez que a consciência abarca os dois gêneros.
Como fez antes em peças como Gina ou em Final do Mês, França se volta novamente para personagens solitários, dependentes e deprimidos que, como na primeira citada, só se comunicam com os outros por telefone.
No caso de Habitué, apresenta um rico decadente e bêbado, contumaz frequentador de bares, de onde evita as relações familiares e as responsabilidades, enquanto se ilude com a nova namorada.
Mais ou menos definido esse universo de interesse do autor, nada favoreceria mais suas obras do que o esforço contínuo de se distanciar do senso comum e encontrar um olhar mais pessoal e singular sobre essas pessoas e sua maneira de se relacionar com o mundo.