O livro Freud, do psicanalista francês Patrick Landman, originalmente publicado em 1997 e traduzido para o português por Nicia Adan Bonatti, é o 18.º título da Coleção Figuras do Saber, da Estação Liberdade. A proposta da coleção, que no Brasil dedicou títulos a Nietzsche, Espinosa, Darwin, Hegel e Lacan, é apresentar ao leitor o pensamento de autores fundamentais da cultura ocidental, através de livros introdutórios escritos por especialistas.
Landman, fiel aos ditames da coleção, apresenta seu Freud recorrendo a dados biográficos essenciais e aos grandes conceitos freudianos, mas vai além. Ele, como esperado, não se furta a discussão da técnica psicanalítica e, não tão esperado assim em livros de introdução, também não dispensa a discussão sobre o que chama de as principais correntes antifreudianas (as críticas: feminista, marxista e epistemológica) e a inserção tortuosa da psicanálise nos caminhos da biologia e da religião.
Pode parecer pouco, mas apenas uma das qualidades do livro de Landman a de não isolar Sigmund Freud (1856 1939) e a psicanálise em um altar hermético imune a toda espécie de crítica ou polêmica surgida fora do seio do movimento psicanalítico já torna o livro interessante. Isso não porque o autor acolhe as críticas como verdades absolutas, capazes de destruir toda a estrutura teórica freudiana, mas justamente porque, ao não dispensar nem se submeter passivamente às principais correntes antifreudianas, ele consegue refletir honestamente sobre as críticas para apresentar, inclusive, como "elas se revelaram fecundas para o próprio movimento psicanalítico".
Os livros introdutórios à psicanálise nem sempre conseguem se aprofundar em temas relevantes (mas secundários) e quase nunca apresentam esses temas com reflexões que os conectem às idéias principais.
Assim, Landman alia coragem intelectual e domínio teórico. Usa, porém, seu domínio teórico não para afastar o leitor iniciante. Ao contrário, sua escrita pode ser por vezes densa (em função da complexidade de alguns conceitos), mas é fluente e, quando pode, é leve. Nesse aspecto, seu estilo de escrita denso e fluente é similar ao de Freud.
Riscos
Embora o autor de Freud dedique espaço para críticas e polêmicas que envolvem a história da psicanálise, são outros os aportes sobre os quais Landman sustenta o livro: a síntese biográfica e a síntese conceitual. Estas sínteses, sobre as quais também se sustenta a proposta da coleção, impõem ao livro uma trajetória arriscada por entre os caminhos ilimitados da fortuna crítica de Freud.
A trajetória é arriscada porque condensar conceitos complexos de uma obra cunhada em mais de 50 anos de trabalho e assentada em pelo menos uma dúzia de textos capitais em pouco menos de 150 páginas não é tarefa fácil. No mínimo, os corajosos que se propõe a este trabalho correm o risco de simplificação e, em regra, pouco apresentam de relevante, quando não de enganoso. Este é o caso da maior parte dos capítulos dedicados à psicanálise nos livros de história da psicologia escritos por autores americanos. Até mesmo autores dotados de melhor domínio técnico e teórico em psicanálise encontram dificuldades no momento de escolher os conceitos e, sobretudo, na forma de transmiti-los ao leitor.
Muitos bons projetos de livros introdutórios à psicanálise pecam ou pela apresentação rasa dos conceitos, o que incomoda o leitor com uma prévia leitura da obra de Freud, ou por um hermetismo exagerado do texto aliado a uma postura acrítica que afasta o leitor iniciante.
Landman consegue a façanha de apresentar um livro capaz de ser interessante tanto ao leitor iniciante quanto ao leitor habituado com os conceitos freudianos. E é difícil precisar as razões da competência do francês. Certamente, não são os cinco "grandes conceitos freudianos" escolhidos para o livro: o inconsciente, o sonho, a teoria da sexualidade, o narcisismo e a pulsão de morte. Com uma ou outra variação apenas, é possível que muitos psicanalistas endossassem as decisões do autor. O mais provável é que a competência de Landman seja explicada através da junção entre o domínio teórico e as capacidades estilísticas e de síntese.
Outro aspecto da trajetória arriscada que Landman adota é o resumo biográfico apresentado no livro. Neste ponto, ele não se arrisca por ter que condensar conceitos complexos, mas por entrar em um campo minado da psicanálise. Inegavelmente, há uma forte ligação entre a biografia de Freud e a psicanálise, mas se, por um lado, o conhecimento de alguns dados biográficos de Freud facilita o estudo dos conceitos psicanalíticos, por outro, com a extrema exposição da vida de Freud no imaginário da cultura do século 20 com direito a honrarias em Hollywood em filmes como Freud, Além da Alma, de John Houston, e Marnie, de Alfred Hitchcock não raro ocorre a mitificação do personagem histórico e, em conseqüência, a imprecisão conceitual. Também neste aspecto, Landman acerta a mão. Ele não só discorre sobre algumas questões teóricas essenciais das biografias de Freud, como também apresenta um resumo da vida do criador da psicanálise submetido ao objetivo principal de seu livro: apresentar e problematizar os conceitos freudianos.
A questão biográfica não é, nem pode ser considerada, questão menor no que diz respeito ao estudo da psicanálise. Nela se assenta um aspecto muito importante da ética psicanalítica com conseqüências tanto na teoria como na técnica psicanalítica. Quando Freud se submeteu ao que chamou de auto-análise e, posteriormente, a partir desta experiência, incorporou entre os ditames da formação do psicanalista a necessidade da análise também do analista, e não apenas do paciente, rompeu com a ética psiquiátrica tradicional. Deste modo, assentou a psicanálise em outra ética, em grande parte distinta da médica, a ética do desejo inconsciente, na qual os limites até então nítidos e seguros entre o normal e o patológico, e entre o médico e o paciente são ultrapassados.
Foi driblando os principais problemas que poderiam advir da proposta de seu livro que Landman conseguiu problematizar a mensagem freudiana ao homem moderno: "a imagem que você tem de si mesmo e da qual tem orgulho nada mais é que engodo e desconhecimento, mas em você jaz uma instância ou um sujeito ligado ao sexual que é único e que, por menos que você lhe dê a palavra, longe de entranhá-lo na loucura, irá lhe mostrar a via de seu desejo". E Landman consegue mais do que pensar a pertinência da mensagem freudiana na atualidade, ele consegue algo mais difícil: fazer de um livro introdutório um convite à leitura ou à releitura da obra de Freud.
Marcio Robert é psicanalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná.
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Serviço: Freud, de Patrick Landman (Estação Liberdade, 160 págs., R$ 29).
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