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O samba carioca não é um território homogêneo. Há de tudo um pouco sob o céu azul do Rio de Janeiro. Se a cidade foi capaz de legar à cultura brasileira criadores do quilate de Cartola, Nelson Cavaquinho e Paulinho da Viola, também serve de palco para manifestações pouco inspiradas, para pagodeiros que produzem em escala industrial música formulaica e insossa para tocar no rádio, mas não a alma.

O cantor, compositor e também produtor Leandro Sapucahy está tentando fazer uma transição digna de nota: quer deixar o descartável e ingressar no seleto time de músicos que têm algo a dizer musicalmente. Produtor de grupos esquecíveis como Sorriso Maroto e Bokaloka, ele acaba de lançar seu primeiro disco-solo, o interessante Cotidiano,buscando o samba e o mundo ideais.

A travessia entre as duas instâncias do samba é surpreendentemente bem-sucedida, o que suscita uma reflexão pertinente: será que a música chamada comercial e de má qualidade não estaria cometendo o pecado quase mortal de subestimar o público, dando-lhe apenas o que é sucesso certo? Algo a se pensar.

Cotidiano traz composições de bambas como Arlindo Cruz, que assina "Ainda Vou Ler nos Jornais", um dos destaques do registro. Mas também inclui composições próprias. Nelas estão o aspecto, digamos, mais instigante do disco.

Sapucahy tem a interessante proposta de, ao dialogar com as dimensões paralelas do hip-hop e do funk, buscar uma linguagem, que consiga refletir uma cidade dividida e tenha comunicação com os jovens.

Ao 35 anos, Sapucahy é natural do bairro de Jacarepaguá e trabalha com música desde os 16 anos. Por dez anos, entretanto, viveu na contravenção, ganhando dinheiro no universo de jogo e das corridas de cavalo. "Jamais me envolvi com o tráfico", garante.

O convívio com a dura realidade dos morros e da periferia cariocas despertou no músico a necessidade de expressar sua indignação. "O momento é de caos", reconhece o artista em verso de "Numa Cidade Muito Longe Daqui (Polícia e Bandido)", híbrido de samba e rap que impõe o discurso de Marcelo D2 entre scratches do DJ Fábio ACM.

A adesão de Zeca Pagodinho em "Bala Perdida" também indica que Sapucahy pretende afastar-se do samba carioca mais consagrado, o mesmo valendo para outra participação de Arlindo Cruz, na bela "Favela".

Entre louvação à amizade ("Mão Amiga") e a exposição da lei do cão que não respeita nem amizades na guerra do tráfico ("S.O.S"), Sapucahy canta a vida dura dos morros e periferias com a crença em mundo e samba melhores. E marca um gol. GGG1/2

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