Parceira de trabalho de Coutinho desde 1995, Jordana Berg foi a montadora de Últimas Conversas. Em entrevista, define o documentarista como um “náufrago da vida”, e diz que aprendeu a como “não fazer filmes.”
Qual era a ideia inicial do filme?
Não participei dessa etapa, não posso falar pelo Coutinho. Quando ele morreu, estava tudo filmado, mas nada montado. Trabalhávamos assim: ele recebia cadernos com as transcrições das entrevistas. Eu recebia isso digitalmente. Ele marcava os cadernos, fazia comentários. Eu fazia o mesmo. Aí botava tudo no computador e cruzava as informações. Eram as nossas primeiras impressões.
O Coutinho aparentava estar cansado, irritado.
Ele estava muito descrente daquilo. Era uma espécie de cansaço, mas tinha a ver com a falta de confiança no trabalho. Ele não achava que as pessoas teriam algo a dizer porque eram adolescentes e não teriam memória suficiente. Nessa idade não se perde muitos parentes ou amores. Havia o abismo de idade também, o que aconteceria com qualquer senhor de 80 anos.
Você pensou no Coutinho quando foi montar o filme?
Sim. Dialoguei muito com ele internamente. De uma certa forma, porque fiz tantos filmes com ele, tínhamos tantas horas de edição juntos, que foi como se pensasse como ele. Foi meio natural pensar com minha cabeça “coutiniana.” Por isso eu e João [Moreira Salles] assumimos a coautoria do filme. Foi algo nosso, com o material que ele filmou. Deixou de ser um documentário só dele, infelizmente.
A ausência, a família, e as duas coisas juntas, parecem ser um fio condutor das entrevistas.
Isso lembra uma frase que ele falou repetidamente desde Santo Forte. “A gente é um país sem pais.” Em vários filmes dele foi recorrente essa situação: os pais estarem ausentes nas famílias. Este filme em particular tem uma questão: os personagens eram de escolas públicas. No Brasil, em geral, estes alunos são de classe social mais baixa. Isso acabou por dar o tom do filme. O tipo de família que encontramos, e de desestruturação.
E a entrevista com a criança, como surgiu?
Foi uma experiência que fizemos no último dia de filmagens. Era um teste para um possível filme.
Últimas Conversas é, novamente, feito de pessoas falando. Por que isso se torna tão especial quando é Coutinho do outro lado?
A magia, para mim, primeiro, está no fato de ele não julgar os entrevistados. Eles se sentem confortáveis para falar de tudo. Em segundo lugar, por que Coutinho deixava claro para as pessoas que precisava delas. Ele tinha algo de náufrago na vida, e as pessoas eram uma espécie de tábua de salvação. Quando elas falavam das perdas, das alegrias, dos amores, de alguma maneira estavam dando um soro para Coutinho, na veia. E aí um compromisso se instalava. Era uma coisa muito íntima, tão verdadeira que as pessoas se sentiam confiante. O fato de ele ter cabelo branco também ajudava (risos). Coutinho não era ameaçador, era como um avô inteligente. E sim, as pessoas eram entrevistadas por uma equipe antes, e essa equipe sempre tinha pessoas gentis e educadas. Então, os personagens já tinham passado por essas mãos, e vinham abertas.
Como você ficou sabendo da morte de Coutinho?
Estava em casa, era domingo de manhã. Preparava uma palestra que ia dar na academia de Cinema, em São Paulo. O [cineasta e crítico] Eduardo Escorel me ligou e deu a notícia. Saí correndo para o prédio em que Coutinho morava.
Depois da convivência com Coutinho por tanto tempo, o que ficou dele em você?
Nos últimos 15 anos nos falávamos todos os dias. Nos víamos sempre aos fins de semana. Éramos muito próximos. Aprendi com ele sobre como fazer filmes. E sobre como não fazer.
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