Vocês serão um bunker, não há limites para o que podem conquistar, sua tela
de trabalho é o Brasil
O protagonista de “Real - O Plano por Trás da História” é só um economista, mas ainda assim o personagem é apresentado como herói de thriller. O Gustavo Franco da ficção, na interpretação de Emílio Orciollo Netto e sob direção de Rodrigo Bittencourt, é um sujeito que tira e põe os óculos para demonstrar sentimentos (ele não tem muitos), que recebe dúzias de closes de câmera para expressar descontentamentos (ou se está do seu lado, ou se está errado), que tem respostas rápidas para interlocutores (todos inferiores intelectualmente) e que só não parte para a briga física como um James Bond porque é, afinal, um personagem de terno e gravata que em nada combina com o clima que o filme tenta passar.
“Real”, como cinema, fracassa justamente por tentar imprimir – praticamente impor – um estilo que não aplica à sua trama. O descompasso é grande, no nível de haver longas sequências em que Gustavo Franco e outros economistas ocupam o que eles chamam de “bunker”, com direito a luz mais baixa, edição mais ágil e ângulos de filmes de mistério. Eles até chegam a caminhar olhando reto para a câmera, como se fossem encontrar o espectador com seus passos decididos e heroicos. Na verdade, estavam apenas fazendo cálculos e discutindo os rumos do país, o que foi de extrema importância, claro, mas fica absurdamente estranho quando narrado como uma história de espionagem da Guerra Fria.
A culpa, talvez, seja do tempo que vivemos hoje, com uma polarização passional típica da disputa entre liberais e comunistas. Baseado no livro “3.000 dias no bunker”, do jornalista Guilherme Fiuza, “Real” segue o que explica seu título: ele recorda a história da criação do Plano Real, em 1994, no governo de Itamar Franco (Bemvindo Sequeira), quando Fernando Henrique Cardoso (Norival Rizzo) era ministro da Fazenda. O foco está num dos economistas da equipe montada por FHC, Gustavo Franco, que se tornaria presidente do Banco Central.
O filme mostra seu protagonista como uma figura sem muitos escrúpulos, arrogante, invejosa, machista, intransigente, que atropela inimigos e em momento algum demonstra arrependimento. Em paralelo à narrativa da criação do Real, há cenas em que é entrevistado por uma jornalista (Cássia Kis) no período em que foi investigado na CPI do Banestado, sob acusação de permitir evasão de divisas - Franco foi inocentado.
“Real” assume seu lado na história (passada e atual). Logo no início, há uma cena em que Gustavo Franco discute com um amigo porque este faz críticas a Margaret Thatcher. “Você votou no Lula?”, pergunta o protagonista. Depois, há o discurso de um deputado do PT (Juliano Cazarré) enaltecendo a honestidade do partido (claramente marcado com ironia), e também são inseridas palavras elogiosas ao juiz Sérgio Moro, por conta de sua atuação na investigação dos crimes do Banestado.
Que fique claro: não há mal algum em o cinema assumir posições. Mirar numa direção não é um defeito pelo qual se deve criticar “Real”. Sua falha está em maneirismos e em seu estilo desconexo com o enredo, além de ter uma distância temporal muito curta para que se evite comparações com a realidade.
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