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O poder do olhar e a limitação da palavra

No que parece uma sincronia tétrica, Michelangelo Antonioni (1912 – 2007) morreu na segunda-feira, horas depois de Ingmar Bergman (1918 – 2007). Em um mesmo dia, duas baixas das quais o cinema não deve se recuperar nunca.

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O cinema mundial está duplamente de luto nesta semana. Morreu na noite de segunda-feira – mesmo dia em que a sétima arte também perdeu o cineasta sueco Ingmar Bergman –, o italiano Michelangelo Antonioni, autor de obras-primas como A Aventura (1960) e Blow Up – Depois Daquele Beijo (1966). Ele tinha 94 anos e, desde 1983, quando sofreu um grave derrame cerebral, teve a saúde bastante fragilizada. As causas da morte, contudo, não foram divulgadas, mas segundo declaração da mulher do diretor, a atriz Enrica Fico, ao jornal La Repubblica, ele faleceu tranqüilamente em sua casa, na cidade de Ferrara, localidade no norte da Itália onde nasceu, em 1912.

Antonioni, certa feita, disse, ao ser indagado por um jornalista sobre seu processo criativo, que muitos críticos enxergavam seus filmes como obras cerebrais, movidas por uma extrema racionalidade. Ele rejeitou essa hipótese. Tampouco concordou com críticos mais românticos, que apostavam em uma fonte criativa mais sensível: o coração do artista. "Bobagem", respondeu. Por fim, o mestre italiano admitiu que, caso tivesse de encontrar em sua anatomia a "usina orgânica" de suas criações, o órgão escolhido certamente seria outro, o estômago. Faz sentido. Seu cinema é mesmo visceral.

Único, apesar de bastante citado e emulado mundo afora, Antonioni pode ser analisado por diversos vieses. Do ponto de vista formal, como atestam obras-primas da envergadura de A Aventura e Passageiro – Profissão: Repórter (1975), pretendeu – e conseguiu – romper com algumas das chamadas prisões do cinema clássico.

Quebrava, sem pedir licença ao espectador, qualquer lógica narrativa em nome do direito de inserir uma tomada ou cena que, dentro da proposta estética do filme, fizesse sentido – por mais que essa escolha pudesse desorientar o público, que muitas vezes não conseguia encaixar no todo da obra esse fragmento imagético que, segundo a leitura de muitos críticos, funcionava como uma espécie de ruído intencional, cuja função seria causar desconforto e inquietude. Como autor, Antonioni dava-se esse direito.

O custo dessa opção por não satisfazer o gosto médio sempre foi muito alto, mas Antonioni estava disposto a pagá-lo por uma questão de coerência com seus princípios artísticos. Nunca foi, por conseqüência, um criador popular e reverenciado pelas massas como seu conterrâneo Federico Fellini, que desfrutou quase sempre de maior comunicação do público graças a seu universo onírico.

Antonioni fez um cinema "difícil", marcado por silêncios, sempre introspectivo e desconcertante. Sua obra rompeu com o teor mais político e sociológico do mundialmente festejado neo-realismo italiano, e partiu para a exploração de questões mais existenciais, que afligiam não a sociedade como um todo, mas o indivíduo e as suas inquietudes mais particulares.

Entre as temáticas recorrentes em sua extensa filmografia, talvez a mais significativa seja a da incomunicabilidade. Acima de tudo entre homens e mulheres. A trilogia formada por A Aventura, A Noite (1960) e O Eclipse (1962) tem nessa quase impossibilidade de diálogo entre os dois gêneros seu principal eixo dramático.

Antonioni, no entanto, insistia em defender a tese de que a experiência cinematográfica não deveria se deixar aprisionar por histórias ou enredos fechados. Desejava que seus filmes fossem experiências ao mesmo tempo sensíveis, sensoriais e intelectuais – pouco importando se fizessem sentido ou tivessem começo, meio e fim.

Biografia

Assim como o francês François Truffaut ou o franco suíço Jean Luc-Godard, grandes nomes da Nouvelle Vague, Antonioni começou seu envolvimento com o cinema exercendo a função de crítico. Atacava ferozmente as comédias italianas da década de 30, que considerava vazias e escapistas demais em tempos de escalada do fascismo. Na década de 40, cursou a Escola Nacional de Cinema da Itália e se tornou roteirista, colaborando com diretores como Roberto Rossellini e Enrico Fulchignoni.

O primeiro filme de Antonioni foi Crimes da Alma (Cronaca di un Amore), em 1950, mas o reconhecimento internacional viria em 1960, com A Aventura, que ganhou o Prêmio da Crítica do Festival de Cannes.

Com Blow-up – Depois Daquele Beijo (1966), seu primeiro filme em inglês, recebeu a Palma de Ouro em Cannes, além da indicação para o Oscar de melhor diretor. Falado em inglês e ambientado na agitada Londres dos anos 1960, o filme transformou-o em figura cult para cinéfilos e cineastas. A estatueta dourada de Hollywood, contudo, só veio mesmo em 1995, com um Oscar honorárido pelo conjunto de sua obra.

Também em inglês, rodou nos Estados Unidos outro filme cultuado internacionalmente, Zabriskie Point (1970), que tem como foco a contracultura, movimento sociocultural que fascinou o italiano, criado na rigidez do catolicismo. Na trilha sonora, grandes nomes do rock como a banda britânica Pink Floyd e o americano Jerry Garcia (do grupo Grateful Dead), entre outros.

Outra de suas obras foi realizada em parceria com o alemão Wim Wenders, Além das Nuvens (1995). O filme se baseia em um livro do cineasta italiano.

Entre as "musas" de Antonioni se destacou Monica Vitti, estrela de A Aventura, A Noite e O Eclipse. A bela diva italiana é o rosto feminino mais emblemático da enigmática produção de um cineasta cuja obra cinematográfica não cessa de intrigar público e crítica, provando estar mais viva do que nunca.

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