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A presença constante de Aline não despertava suspeita nos funcionários da Casa do Ancião Vicente de Paula, em Guajará-Mirim (RO). Que desconfiança poderia levantar uma menina de 9 anos de idade num lugar daqueles?

Magra e tímida, passava horas a fio com os velhinhos. O que ninguém poderia imaginar era o tipo de relação que havia entre eles. Sob ameaças de espancamento, Aline era forçada pela mãe a fazer programas sexuais com os idosos. A mulher ainda envolveu a filha em outro ardil: orientava a menina a distraí-los e deixar a porta do quarto aberta, para poder vasculhar a carteira da vítima.

Foi assim durante semanas, até o caso vir a público por meio da filha mais velha, de 13 anos. A menina, explorada sexualmente pela mãe desde os 10, recusou-se a sair com um dos idosos. O primeiro golpe desceu sem aviso e a surra que se seguiu deixou marcas generalizadas pelo corpo. Os hematomas chamaram a atenção na escola.

Gabriele viu-se então numa encruzilhada. Havia para ela três possibilidades. Poderia amaldiçoar a vida e de alguma forma expressar sua raiva, poderia se resignar e aceitar sua sina, ou poderia abrir o jogo. A primeira atitude seria inútil; a segunda, estéril e extenuante; a terceira lhe pareceu o caminho mais viável. Foi o que fez.

Gabriele contou ao Conselho Tutelar que a mãe a colocava para fazer programas com vários homens e ficava debaixo da cama para tentar roubá-los. Fazia pior com a irmã mais nova, com menos poder de resistência. Além de explorá-la no asilo, vendia a filha nas ruas em troca de cigarro e bebida. Durante meses a criança teve de sujeitar-se a essa humilhação. Ao ser denunciada, em dezembro passado, a mulher desapareceu junto com a filha menor, só encontrada seis meses depois pelo Conselho Tutelar e pela Polícia Militar. A Justiça tirou da mulher a guarda das filhas. Hoje elas vivem num abrigo, a mãe desapareceu.

Sem saber o real sentido da família

Filhas de pais separados, alcoólatras e violentos, Aline e Gabriele talvez nunca saibam o real sentido da família, que a psicologia moderna considera a primeira instância de cuidados, educação e proteção da infância e de seus direitos. "Os valores familiares são essenciais para a percepção que a criança tem de si mesma e do mundo que a cerca", diz o pediatra argentino Edis Buscarons, vice-presidente da "Fundación Red Solidaria Azul y Blanca", uma organização não-governamental integrada às Nações Unidas nas questões da infância e adolescência.

No caso das duas irmãs de Guajará-Mirim, a família não pôde cumprir nenhuma dessas obrigações e a confiança nela depositada quebrou a primeira linha de defesa contra um mundo inseguro e incompreensível.

Situações como esta são mais comuns em ambientes de pobreza. Mas é claro que nem todas as famílias pobres vendem seus filhos. Segundo o pediatra Buscarons, isso decorre de uma situação que tem sido chamada de "pobreza mais falta de oportunidades".

Supõe-se que a família tem de fazer frente ao desemprego, à imigração forçada, ao estigma social, à dependência de entorpecentes ou, no mínimo, ao contato com uma sociedade consumista que valoriza as pessoas conforme seu poder de compra. Nesse cenário, a criança é considerada então "disponível" para o comércio sexual e capaz de ganhar dinheiro. Ela situa-se frente aos pais numa condição de "escravidão devedora", na qual se vê forçada a manter relações sexuais para quitar a dívida da família com o explorador.

Pais empurram para a prostituição

Guajará-Mirim e sua cidade-espelho Guayaramerín, na Bolívia, são terrenos férteis para casos como os de Aline e Gabriele. De janeiro a julho, o Sentinela (programa federal de atenção a crianças e adolescentes vítimas de violência) fez 37 atendimentos por exploração sexual comercial – média de quase um por semana.

Entre as vítimas estava Maria, que desde os seis anos era empurrada pelos pais para a mendicância nas ruas. Não podia voltar sem dinheiro, nem que para isso tivesse de se expor à prostituição. Os pais hoje respondem a inquérito policial.

Há pouco mais de dois anos, o Conselho Tutelar retirou 11 meninas de um só lugar, onde eram obrigadas a fazer programas em troca de comida. Uma delas, de 12 anos, tinha 10 parceiros por noite, diz a coordenadora do Programa Sentinela, Angelita Malvieira Lima Esteves. Algumas estavam ali havia mais de um ano. O lugar, uma boate chamada Furacão, foi fechado. Mas reabriu meses depois em outro lugar, com outro nome.

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