Renata Jesion e Mauro Schames em cena da peça "121.023 J"| Foto: Divulgação/Nelson Kao
CARREGANDO :)
O Rapaz é levado para um campo de concentração onde é obrigado a usar um
A peça retrata a história do pai da autora nos campos de concentração nazistas
CARREGANDO :)

Com estréia prevista em Curitiba nesta quinta-feira, no Teatro da Caixa, o espetáculo "121.023 J" fala com humor e ironia de um dos momentos mais obscuros do século 20, o Holocausto. A peça é escrita e protagonizada pela atriz paulista Renata Jesion, 34 anos, a partir da história de seu pai, Majer Jesion, que sobreviveu a quatro campos de concentração durante o nazismo. "É uma peça que fala sobre discriminação. Tinha uma inquietude em fazê-la o quanto antes. Meu pai se foi há quatros meses. É uma homenagem a ele e a todas essas pessoas que sofreram", disse a atriz, em entrevista à Gazeta do Povo, por telefone.

"121.023 J" conta a história de um rapaz de 17 anos que sai para comprar pão e, no caminho de volta, é levado sem nenhuma explicação para um campo de concentração, onde é considerado culpado por algo que ele não consegue se lembrar. Lá, é obrigado a usar um "pijama listrado", fazer trabalho forçado, dormir sobre pedaços de madeira e comer um alimento que o faz emagrecer cada vez mais. "Durante a clausura, ele começa a se perguntar o que fez de errado para estar sofrendo tanto. Questiona: ‘será que eu matei alguém e não me lembro? será que eu cometi algum crime?’ Eram pensamentos fortes durante a guerra", contou Renata. O título da peça é uma alusão aos números que eram tatuados nos braços dos prisioneiros judeus durante a Segunda Guerra Mundial. "O número do meu pai era parecido com esse. Decidi que não seria bacana usá-lo. A peça é baseada na história dele, mas tem uma visão subjetiva minha. Aquele é um número fictício, uma combinação que fiz com o mês que nasci e com o dia e o ano que ele nasceu. Coloquei uma letra no final (J de Jesion)", explicou.

Publicidade

A atriz diz ter sofrido discriminação por ser judia na adolescência. "Todos nós sofremos discriminação em algum momento. Eu sofri por ser judia. Na escola, quatro garotos anti-semitas fizeram a minha vida virar um inferno por um ano. Hoje, tomo muito cuidado com qualquer ser humano que esteja do meu lado. Tem que haver um olhar muito delicado para a discriminação."

Foi, então, que Renata optou pelo humor para mostrar em "121.023 J" que o preconceito deixa as pessoas "pequenas". "Todo mundo se identifica em algum momento com a peça. O ser humano é muito doente em ficar brigando por coisinhas ao invés de respeitar o próximo, olhar para o outro e ser generoso. Não sei se é pretensão da minha parte, mas comunico um pouquinho para as platéias que nos assistem que a discriminação é uma m... e que somos ‘pequenos’ por causa dela. Quando eu era criança, meu pai contava suas histórias de uma forma engraçada. Ele não era amargo."

Renata diz que seguirá homenageando o pai após a temporada de "121.023 J". Ela planeja contar a história dele no Brasil por meio do longa "As Manhãs de Maio". As filmagens começaram em 2006 e não foram finalizadas, por enquanto. "Meu pai já era velhinho quando a peça ficou pronta. Ele achou tudo muito bonito. Dizia que era difícil vê-la, mas ao mesmo tempo era prazeroso. Ele ria e chorava. A história do meu pai me emociona todos os dias. Não quero deixar de me emocionar. Não quero ser só atriz e pensar que é só um personagem", finalizou a atriz.

Confira a entrevista na íntegra com Renata Jesion:

O que a peça "121.023 J" representa para você?

Publicidade

Escrevi a peça há 10 anos praticamente. A dramaturgia saiu de entrevistas que fiz com meu pai, que é um sobrevivente de quatro campos de concentração, e também com outros ex-prisioneiros. Demorei alguns anos para montá-la, achar diretor e conseguir um teatro. Ela estreou há quatro anos. Graças a Deus é sucesso. O significado dessa peça para mim é complexo. O roteiro é baseado na história do meu pai. Quando estreei a peça, meu pai a acompanhava em todos os teatros. Ele se emocionava muito, ria e chorava ao mesmo tempo.Meu pai "se foi" há quatro meses. Agora, estou para descobrir o que a peça significa para mim. Tinha uma inquietude em fazê-la ela. É uma homenagem a ele e a todas as pessoas que sofreram. É importante ver, escutar e se divertir através dessa história.

"121.023 J" era o código tatuado no pai durante a Segunda Guerra Mundial?

Na verdade, era bem parecido. Decidi que não seria bacana usá-lo. Decidi que não seria bacana usá-lo. A peça é baseada na história dele, mas tem uma visão subjetiva minha. Aquele é um número fictício, uma combinação que fiz com o mês que nasci e com o dia e o ano que ele nasceu. Coloquei uma letra no final (J de Jesion)

Por que decidiu tratar com humor e ironia um tema tão pesado como o holocausto?

O povo judeu é conhecido por ter um humor muito forte. Um humor que te remete até para as grandes tragédias. Há uma frase que diz: "o judeu consegue rir das suas próprias tragédias". Acho que é verdade. Com o humor, transcendemos um pouco a história. Quando eu era criança, meu pai contava suas histórias de uma forma engraçada, com ironia, sarcasmo e sutileza. Nunca com raiva. Eu não entendia muito. Ele não era amargo. Apesar de tudo o que passou, ele não era amargo, não tinha mágoas. Era leve, mas deveria ter uma tristeza infinita na alma.

Publicidade

Você não temeu machucar alguém ao tratar com humor o genocídio do nazismo?

Sim. Temia machucar alguém. Perguntava-me: "será que eu posso fazer essa peça?". Fiquei anos pensando se eu podia mesmo fazê-la. Se estaria ferindo alguém ao invés de homenagear. Também temi ser criticada, mas tudo deu tão certo. A peça tem uma energia, um tom delicado que foge do piegas.

Quais as principais reações da platéia em quatro anos em cartaz?

As platéias foram inúmeras. As reações são diversas. Quando não há judeus na platéia, as pessoas riem muito. Não ficamos chateados pelas risadas, pelo contrário. É de uma forma humorada que a história é contada. Quando nos apresentamos para uma platéia judaica ninguém ri. É um silêncio muito grande e você escuta muitos choros. No final, a história acaba muito "para cima".

Todos os relatos do seu pai foram usados no roteiro de "121.023 J"?

Publicidade

Não. Na verdade, é uma visão subjetiva. Meu pai contou que certa vez quatro prostitutas entraram no campo de concentração. Elas estavam maquiadas e bem arrumadas. Ele pensou: "puxa, que mulheres bonitas! Será que vou conseguir ter uma mulher? Será que algum vou poder tocar numa mulher?". Depois, soube que as prostitutas foram chamadas pela Gestapo. Na peça, um ator faz a prostituta entrando no campo. Um prisioneiro começa a se masturbar. Coloca a mão no pênis, mas não consegue porque falta força. Então, ele diz: "eu não preciso disso. Preciso de pão. Preciso conseguir sobreviver". Esse é um momento que a platéia ri muito. Mas é uma situação trágica.

O que seu pai achou da peça?

Quando ela ficou pronta, meu pai já estava velhinho. Achou tudo muito bonito. Dizia que era muito difícil vê-la, mas ao mesmo tempo era prazeroso. Eu nunca soube se ele entendeu no que se transformaram cada história. Ele ria e chorava.

Qual mensagem você tenta passar ao público com "121.023 J"?

Todo mundo se identifica em algum momento com a peça. O ser humano é muito doente em ficar brigando por coisinhas ao invés de respeitar o próximo, olhar para o outro e ser generoso. Não sei se é pretensão da minha parte, mas comunico um pouquinho para as platéias que nos assistem que a discriminação é uma m... e que somos ‘pequenos’ por causa dela.

Publicidade

Você foi vítima de preconceito?

Todos nós sofremos discriminação em algum momento. Eu sofri por ser judia. Na escola, quatro garotos anti-semitas fizeram a minha vida virar um inferno por um ano. Hoje, tomo muito cuidado com qualquer ser humano que esteja do meu lado. Tem que haver um olhar muito delicado para a discriminação.

Quais são seus próximos projetos?

Estou gravando um filme chamado "As Manhãs de Maio". Assino o roteiro e a direção. É o fechamento do projeto começado com "121.023 J". O filme também é sobre meu pai. Ele é o personagem principal. Com 80 anos, ele acorda e vê que não tem pão e sai para comprar. No caminho, aparecem alguns flash-backs sobre tudo o que ele passou durante a Segunda Guerra Mundial e o que construiu no Brasil.