A queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética aparecem nas tevês do hotel em que se hospeda Sebastião Terra, o protagonista de Quadrondo, novo romance de Domingos Pellegrini.
É 1989, o mundo se debate com um momento histórico de desilusão de certa forma, perfeito para refletir problemas atuais. "Vivemos a falência das ideologias", diz o autor e colunista da Gazeta do Povo, "e o retorno a princípios ancestrais de responsabilidade social e voluntariado".
O professor Terra, personagem do livro, ainda assimila o divórcio, amarga uma rotina limitante na universidade e procura desenvolver a teoria que chama de quadrondo. Ele acredita que o mundo humano é "um casamento entre o quadrado e o redondo, entre a reta e a curva, o planejado e o imprevisto, a cabeça e o coração".
Antropólogo de formação, embarca em uma viagem à Alemanha para uma série de palestras. Durante a turnê, conhece e convive com quatro profissionais que têm a literatura em comum. Há o poeta socialista, a escritora de livros infanto-juvenis, o advogado contista e a escritora premiada.
O romance se divide em duas partes que poderiam bem ser dois livros distintos "Quadradeza" e "Redondice". Na primeira, Terra parece estagnado, amargo e derrotista. Passa horas conversando sobre o quadrondo sem, no entanto, sair do lugar. Não sistematiza a teoria para publicação, mas não pára de falar sobre ela.
Por meio das discussões intelectuais de "Tião" Terra com os escritores, Pellegrini parece reproduzir um tipo de palavrório acadêmico que não leva a nada, a não ser a mais palavrório. Um processo de "retroalimentação", como diz o escritor.
"Quadradeza" leva Terra ao limite. Cansado de falação, ele decide radicalizar. Deixa a universidade para viver na Ilha do Meio, na história, situada depois da Ilha do Mel e antes da Ilha das Cobras. É quando começa "Redondice".
Se a inércia caracteriza a primeira parte do livro embora o personagem viaje para a Alemanha, ele não parece sair do lugar nunca , a ação toma conta da segunda.
Disposto a desenvolver sua teoria quadronda na forma de um ensaio popular, a fim de levar a idéia para fora da academia, Terra embarca para a tal ilha e, lá, se apaixona por uma nativa de nome Marina. O romance de ambos, pontuado por diferenças (de idade, de cultura, de experiências) é a síntese das mudanças experimentadas pelo antropólogo e também uma das maiores qualidades do livro. Na ilha, ele vai abandonar a "esterilidade que tem a atividade intelectual quando gera apenas mais atividade intelectual" para se tornar um líder comunitário.
"Renascimento e autoconhecimento são simultâneos", afirma Pellegrini. O escritor cita também o dito popular que manda fazer "o que o coração mandar". A pessoa passaria a se conhecer a partir do instante em que se torna capaz de dizer "Eu quero ser" uma coisa e não outra.
Quadrondo se desenvolve no limiar entre ficção e biografia. No passado, o próprio Pellegrini viajou para a Ilha do Mel na tentativa de esquecer uma paixão. A partir de 1974 e por dois anos, trabalhou como professor universitário tempo que bastou para que nunca mais desejasse investir em uma carreira acadêmica , além de ter viajado duas vezes para a Alemanha (em 86 e 96), ambas em caravanas de escritores. Hoje, é casado com Dalva, 14 anos mais nova. A avó de sua avó era índia. Todas essas informações aparecem no romance, distribuídas por personagens e situações.
De que forma ele dosa ficção e fatos na narrativa? "Como misturar café e leite, sem pensar", explica. Para seguir a metáfora, o autor diz que não se preocupa com a quantidade de um ou de outro, diz apenas que a mistura "tem que ficar gostosa".
Pellegrini tem uma bibliografia de mais de 40 livros de contos, crônicas, novelas, poesia, infanto-juvenis, biografia e romances, incluindo O Caso da Chácara Chão e Meninos no Poder. Vencedor do Prêmio Jabuti, escreve crônicas para jornais e consegue viver de literatura em um país onde a maioria dos escritores diz que isso é impossível.
Serviço: Quadrondo, de Domingos Pellegrini (Record, 352 págs., R$ 39).
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