Não estranhe se você sair na rua nos próximos dias e notar a maioria das pessoas com o olhar vidrado em seus smartphones: após o lançamento de Pokémon Go na última quinta-feira (4), tornou-se difícil encontrar alguém alheio ao sucesso do game que, pelo menos em Curitiba, parece ter atingido mais adultos do que crianças - o aplicativo é hoje o mais baixado para sistemas iOS e Android no Brasil, deixando apps de paquera, como Tinder e Happn, comendo poeira.
A grande sacada é a realidade aumentada: com o auxílio do GPS ele cria um mundo em que, aqui e acolá, um Pikachu pode aparecer no meio da calçada. Mas não pense que é fácil: para chegar à marca de 100 pokémons capturados, muitas pessoas chegam a caminhar mais de 15 km.
“Gosto porque me fez ter vida social”, desabafa Luís Eduardo, 14 anos, que foi acompanhado dos amigos Mateus Rosa e Kauã Waltrick até à Ópera de Arame atrás de um Pinsir ou, quem sabe, um Psyduck.
Antes, os três ficavam dentro de casa jogando League of Legends ou Dota, games para computador com milhões de adeptos ao redor do mundo. “Com o Pokémon Go, andar pelo parque ficou menos monótono. Antes você dava uma, duas voltas e logo se tornava repetitivo, mas agora ficou mais divertido e há um propósito. Desde o lançamento já caminhei mais de 10 quilômetros”.
Outro ponto positivo do jogo é facilitar o contato. “Ajudei um menino de seis anos a capturar seu primeiro Pokémon”, conta a estudante Isabela Trevisan, de 26 anos, sem esconder o entusiasmo.
Acompanhada da amiga Alessandra Hara, de 25 anos, elas foram ao Museu Oscar Niemeyer para passear e, claro, procurar Poké-stops (pontos específicos da cidade que possuem itens e permitem a aparição de... mais Pokémons). “A Nintendo [criadora do jogo] conseguiu fazer com que as pessoas saíssem de casa”, diz Alessandra.
Em comum, as duas destacam o mesmo ponto negativo: no Jardim das Américas, bairro onde moram, quase não há Poké-stops. “Mas Rattata aparece um monte”, brincam, criticando o excesso de aparições de um dos personagens mais recorrentes do jogo.
Da tela para a realidade
A premissa toda é semelhante à que catapultou a franquia ao sucesso em meados dos anos 90, onde o jogador escolhe um Pokémon e sai batalhando com outros treinadores até se tornar um mestre. Em Pokémon Go, no entanto, não há uma história linear, mas por outro lado, você pode se tornar o mestre de um ginásio da Rua Trajano Reis, por exemplo. Ou ainda trombar com um estacionamento “específico” para caçadores, em plena Praça da Espanha.
Para as amigas Sofia Rocha, 15, e Joana Carvalho, 16, a graça está na interação com outras pessoas. “Fui na feira hoje de manhã e puxei assunto com quem estava jogando”, ri Joana. “Tenho uma tia que tem 35 anos e está viciada”, conta Sofia.
Há que ser ressaltado, porém, que a reportagem não teve vida fácil com treinadores Pokémon acima de 25 anos. José Reis, 47 anos, se recusou a ser fotografado, mas deu seu testemunho sobre o game: “Meu negócio não é tirar foto, não. É caçar Pokémon”, brincou. Já o empresário Ailton Santana, 39 anos, não escondeu a nostalgia. “Era viciado no desenho e agora estou revivendo bons momentos”, disse ele, que também preferiu não ser fotografado em sua caçada.
Já o jovem Arnaldo Alcantra, 18, que estagia em um escritório de advocacia, dedurou os mais velhos: “Lá todo mundo joga, alguns até dão uma escapadinha do trabalho”.
Desafio contemporâneo
Mas nem tudo são flores na vida de um mestre. Assim como em todo game online, há quem tente fraudar o esquema de progresso do jogo: os ginásios de boa parte dos bairros estão dominados por treinadores com pokémons extremamente poderosos, algo impensável dado o lançamento recente de Pokémon Go.
“Poxa, não precisa trapacear em jogo de celular, não é?”, critica Gabriel Vianna, 18 anos, estudante da UFPR e mestre Pokémon nas horas vagas. Detentor de um ginásio, ele crê que a febre deve esfriar nas próximas semanas, mas que mesmo assim muitos darão continuidade a febre. “Claro que o entusiasmo diminui com o tempo, eu mesmo nunca tinha jogado Pokémon antes, mas agora não penso em parar. Já andei 11 km desde quinta-feira e capturei 110 pokémons”, conta.
Amigas de Gabriel, as irmãs Giullia e Lara Mantovani, de 18 e 14 anos, afirmam que o game as fez saírem mais de casa. “Li na internet sobre pessoas que venceram a depressão incentivadas involuntariamente por Pokemon Go”, diz Giullia, relembrando uma pesquisa do instituto norte-americano Psych Central, feita pelo Dr. John Grohol, que apurou relatos de usuários do Twitter contando como o game os ajudou a vencer a fobia social.
Programa familiar
Já no calçadão da Rua XV, com o Teatro HSBC como cenário, João Guilherme Alexandre, 10, fez a festa: foram mais de 30 Pokémons capturados em uma tarde. “Nunca assisti e nem sabia o que era, mas virou febre na minha escola”, conta o menino, jovem demais para ter assistido à série, exibida principalmente pela Record e pelo canal por assinatura Cartoon Network, entre o fim da década de 90 e começo dos anos 2000. O pai está feliz com o jogo, porque tirou o filho de casa. “Antes ele só jogava XBOX, agora saímos juntos”, conta Hudson Alexandre, pai do garoto. “Assisti o desenho há alguns anos, por causa de um sobrinho que era pequeno, e tenho achado bem interessante essa quebra de rotina que ele proporciona”, completou, enquanto João capturava um Horsea.
Heron não gosta de Pokémon
Já na Praça Santos Andrade, em frente ao Teatro Guaíra, onde ocorria o Circo da Democracia – espécie de evento para contrapor ao governo do presidente interino, Michel Temer – alguns poké-ativistas tímidos desconversaram sobre suas reais atividades. “Isso é um produto do capitalismo, não um jogo”, disse um jovem, enquanto tentava esconder seu celular.
Entre todos os locais visitados pela reportagem, apenas um não tinha sequer uma pessoa jogando Pokémon Go: a Praça do Redentor, na Rua Trajano Reis. “Aqui não tem Pokémon, tem skate”, brinca Heron Silva, 27 anos, alguns deles dedicados aos corrimãos da praça. “Quer ir atrás deles? Vá no Passeio Público”.
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