O universo familiar é novamente matéria-prima para o argentino Daniel Burman em seu novo filme, “O Décimo Homem” (“El rey del Once”), que estreou nesta quinta-feira (5).
Lembrado por usar o tema na maioria de sua obra, o diretor e roteirista – um dos principais cineastas da Argentina – conta a história de Ariel (Alan Sabbagh), um economista argentino radicado em Nova York que viaja a Buenos Aires para rever seu pai, Usher, e apresentá-lo à namorada.
Ao chegar à capital portenha, no entanto, ele se depara novamente com o desmazelo do velho – que, nos flashbacks nostálgicos de Ariel, apresentados em Super-8, se ausenta de momentos marcantes da vida do filho para atender a algum chamado da comunidade religiosa do “Once”, um bairro não oficial de Buenos Aires marcado pela presença judaica que já havia sido cenário de Burman no premiado “O Abraço Partido” (2004).
El once
É um bairro não oficial de Buenos Aires marcado por um comércio popular movimentado e pela presença da comunidade judaica. As filmagens de rua de “O Décimo Homem” mostram moradores reais do local – oficialmente o bairro de Balvanera
Usher, lembra o filho com resignação e alguma amargura, é sempre convocado a completar o quórum de dez homens exigido pela tradição judaica em enterros, por exemplo – vem daí o título do filme em português e em inglês. Afastado da religião, incapaz de compreender a dinâmica local e distante da vida que deixou para trás, esta é apenas uma das coisas que ele não entende totalmente nas relações comunitárias do “Once”.
Jornada
Ariel passa dias a fio sem conseguir se encontrar com o pai. E não demora a descobrir que sua namorada, com quem vive uma crise de relacionamento, não vem mais dos EUA.
Usher, “o rei do Once”, só se faz presente pelo telefone, por onde passa uma série de comandos ao filho – todos relacionados a algum pedido da comunidade que orbita a fundação beneficente que comanda.
Ao longo de uma semana, Ariel precisa cumprir missões esquisitas como buscar remédios na casa de um recém-falecido, levar sapatos tamanho 46 a um jovem hospitalizado que não consegue amarrar cadarços (e se recusa a tomar banho por falta de toalhas macias), resolver problemas com o açougueiro antes da festa do Purim (espécie de carnaval judeu). Quase sempre na companhia de Eva (Julieta Zylberberg), uma judia ortodoxa solteira e bonita que Usher quer aproximar do filho.
Com um humor sutil e uma estética documental e sóbria, Burman faz desta história também um retrato perspicaz e afetuoso da comunidade judaica do Once, filmando eventos e personagens reais. Em meio ao drama familiar de Ariel, insere questões de fé, pertencimento, identidade, mas o faz sem pesar a mão. O ritmo mais lento, no entanto, que pode não agradar o público que prefere o frenesi das grandes produções.
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