Daqui para o futuro

Co-autor do livro Heranças do Samba (Casa da Palavra), o jornalista e crítico de música Hugo Sukman acredita que o momento é de consolidação de um dos gêneros mais representativos da identidade brasileira. Em entrevista ao Caderno G Idéias por telefone, ele comenta as misturas com outros gêneros e a reaproximação da classe média. Para o crítico, o samba está em evolução e as perspectivas são promisssoras – até mesmo diante de um mercado que sofre com os downloads de música.

É certo dizer que nos anos 90, o samba passou por um ocaso, em meio a uma sucessão de modismos que invadiram a mídia? Hugo Sukman – Na verdade, começou nos anos 80. As escolas de samba viraram um espetáculo em que o samba não é o elemento principal. Os sambistas foram para o fundo de quintal e surgiram movimentos como o Cacique de Ramos e o que se chamou de pagode. O samba voltou para a mídia de maneira comercial nos anos 90, foi quando vendeu mais discos, considerando as bandas de pagode e Zeca Pagodinho, que faz parte da linhagem mais pura.

O que mudou no panorama musical dos anos 2000 para que o samba tivesse novamente "status" e atenção?O que se aconteceu nos anos 2000 foi o contato das classes médias com o samba. Isso começou muito devagar no Rio e depois em São Paulo. É um movimento que acontece de vez em quando com a cultura pop, em que certa classe média intelectualizada redescobre algo da cultura popular e adota como se fosse dela. Hoje se tem uma moda bem sustentável entre uma certa juventude não tão grande, mas formadora de opinião. Do ponto de vista sociológico, um palpite seria explicar isso como um retorno da juventude a uma identidade brasileira que nos anos 80 não havia, porque o jovem brasileiro era um "londrino" ou "nova-iorquino". A partir desse miolo dos 90 para cá, surge esse novo fenômeno e se redescobre que samba é bom. O samba é um gênero que cultua muito sua tradição, seus bambas. Por outro lado, novos compositores, como Edu Krieger, têm ganhado espaço. Como se dá esse equilíbrio entre os veteranos e os novos? O samba sempre foi uma música muito atual. O que acontece com esse fenômeno da classe média é que ela cultua o samba de estética antiga – apenas o Zeca Pagodinho é aceito. Há certo desprezo por outro tipo de samba tido por comercial e de baixa qualidade, com o que eu não concordo. O que o Cacique de Ramos fez foi modernizar sem descaracterizar, pegaram o velho partido alto e transformaram em sucesso de público pela primeira vez. Desse fenômeno nostálgico e passadista eu não gosto, mas não o condeno. Hoje há gente muito culta em termos de samba, que foi pesquisar a fundo, o que é muito bom para cultura popular. Ao mesmo tempo, há o samba que concorre no rádio com o funk, novo, como do Zeca Pagodinho e do Arlindo Cruz.

O que se vê de maneira cada vez mais variada são as misturas do samba com outros gêneros, seja o eletrônico, o rap, a MPB etc. Seria o caso de se dizer que o samba passa por uma "renovação"? Como ela se processa? Não. Embora eu adore o trabalho do Marcelo D2, ele usa o samba. O samba passou por muita renovação nos últimos 40 anos, agora vivemos um momento de consolidação. Falo em três linhas de renovação: o movimento representado basicamente por Candeia e Martinho da Vila, que trouxeram o partido alto para a musica brasileira, porque os sambistas que eles representavam começaram a ser alijados das escolas de samba e eles tiveram que partir para outro ambiente da música popular, o rádio e a tevê. Hoje o partido alto é a língua básica do samba. Outro tipo, que situo na figura de Paulinho da Viola, é o samba com ar mais erudito. E o outro foi nos anos 80, quando o pagode reaproxima o samba do mercado de música no Brasil, dos grandes shows e das festas de peão.

Diante de todo esse panorama, quais perspectivas você enxerga para o samba? Que rumo o gênero está tomando?Há uma evolução. O samba está consolidado, tem o seu espaço, o seu nicho. Deixou de ser a música dominante, infelizmente para mim, mas está cada vez mais forte como expressão. Vejo hoje o samba como um tipo de música muito jovem, as perspectivas são boas. O único problema é que o mercado está em transição, mas acho a questão do download muito positiva para o samba, que sempre foi marginalizado pelo grande mercado. Hoje a gente vive uma fase de diversidade, de públicos específicos, então o mercado está se encaminhando para algo que vai favorecer o samba.