Se você é uma das pessoas que acham que Fujiya & Miyagi (confira o serviço completo da apresentação) é uma dupla japonesa, não se sinta mal. Embora esteja na atividade há dez anos, tenha tocado no Brasil em 2008 e gravado quatro discos de estúdio, o mais recente, Vetriloquizzing, lançado no início deste ano , o quarteto inglês de música eletrônica realmente ainda é pouco conhecido por aqui.
Encerrando esta noite, no bar Era Só o Que Faltava, uma miniturnê sul-americana que já passou por Bogotá e São Paulo, os músicos David Best (vocal e guitarra), Steve Lewis (sintetizadores, programações e vocais), Lee Adams (bateria) e Matt Hainsby (baixo e vocais), embora ingleses de Brighton e fãs da cultura oriental (Fujiya é uma marca de toca-discos japonsa e Miyagi refere-se ao mestre do filme Karatê Kid A Hora da Verdade), gostam mesmo é de música alemã. Isso mesmo, o quarteto é tido como um dos principais seguidores contemporâneos do chamado krautrock, vertente sonora experimental surgida na Alemanha, no fim dos anos 60 (saiba mais na matéria ao lado).
Ficou difícil de imaginar como é o som da banda? O guitarrista David Best tenta explicar com mais clareza: "Somos um grupo eletrônico com instrumentos ao vivo e vocais sussurrados. Fazemos as pessoas dançar. Gostamos de repetições e de sintetizadores. Algumas canções são positivas, outras negativas. Para um bando de europeus branquelos, somos surpreendentemente funky", disse ele, em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo.
Resumindo, a sonoridade do Fujiya & Miyagi é dançante, mas contida, repetitiva e fluida, assim como a de algumas bandas de krautrock, gênero descoberto por Best ainda na adolescência. "Foi a primeira cena em que eu realmente me liguei. Eu nunca fui muito chegado às clássicas bandas britânicas quando garoto. Então, ouvir esses grupos alemães realmente me tocou. Eles eram a antítese do exagerado rock de arena dos anos 70", conta o músico, citando o minimalismo do Can, as melodias do Kraftwerk e as colagens sonoras do Faust entre suas favoritas.
A experimentação e o automatismo alemães, bastante perceptíveis no terceiro álbum do grupo, Transparent Things (2006), continua presente em Ventriloquizzing (2010), mas, desta vez, sobressaem-se nas canções o "efeito" causado pelo gênero na bagagem musical de cada um dos integrantes do Fujiya & Miyagi. "Nossa única influência, hoje em dia, somos nós mesmos e toda a música que viemos absorvendo ao longo dos anos e que acaba vindo à tona sem que percebamos", explica.
Dando sequência às aparentes "disparidades geográficas" que marcam o conceito do trabalho desses ingleses, está outra contradição: embora gravado na ensolarada Califórnia, Ventriloquizzing, produzido por Thom Monahan (Devendra Banhardt), é o disco mais soturno lançado pela banda até o momento. "É uma sonoridade mais densa do que a do disco anterior, com camadas de sons e melodias mais evidentes que nos demais trabalhos. Definitivamente é um disco mais soturno, tanto nas músicas quanto nas letras. Mesmo assim, o disco é bastante acessível, só não tão leve quanto os anteriores", concorda Best.
Segundo o guitarrista, o repertório do show de logo mais conta com músicas de Electro Karaoke in the Negative Style (2002), Transparent Things (2006) e Lightbulbs (2008), além, é claro, de faixas do álbum mais recente. "Mas nós mixamos tudo, para que, caso você não conheça nossas novas canções, não se sinta excluído", avisa.
Serviço
Fujiya & Miyagi, com discotecagens de Guga Azevedo e Camila Cornelsen. Era Só o Que Faltava (Av. Rep. Argentina, 1.334), (41) 3342-0826. Hoje, às 23 horas. Ingressos a R$ 40 e R$ 20 (estudantes, professores e doadores de sangue).
Rock com chucrute?
Em reação ao vácuo cultural que dominou a Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial, grupos de jovens músicos do país passaram a investir na criação de uma estética musical radicalmente nova, que rejeitava a cultura popular norte-americana em favor de uma identidade sonora mais experimental.Aliando a instrumentação básica do rock-and-roll (guitarra, baixo e bateria) ao uso de teclados e sintetizadores, um grupo de bandas alemãs do fim dos anos 60 e do início dos 70 criou um gênero bastante eclético, que unia rock psicodélico e progressivo às experimentações do free jazz e a elementos da música eletrônica avant-garde (com ênfase na obra do compositor Karlheinz Stockhausen, morto em 2007).
Apesar de o resultado dessa mistura ter dado origem a sonoridades bem distintas entre si, as bandas dessa safra, entre elas Can, Neu!, Faust, Tangerine Dream e Kraftwerk, logo foram ensacadas no mesmo balaio pela imprensa inglesa (em especial o DJ John Peel, da emissora BBC), que passou a denominar a cena de krautrock (o termo kraut, abreviação de sauerkraut chucrute, na tradução era usado pejorativamente pelos soldados norte-americanos e britânicos durante a guerra para designar os inimigos germânicos.
Dispostos a revolucionar a percepção de ritmo, melodia e harmonia, os grupos que se dedicavam ao chamado krautrock tinham em comum a energia típica do rock-and-roll, porém distanciado das origens blueseiras norte-americanas. Nas músicas, comumente prevalecia uma batida quatro por quatro, repetitiva e fluida, batizada pelos "gringos" de motorik.
Além de ter sido a base de fundação de novos gêneros da música eletrônica, como o synthpop e o electro nos anos 80, o kraturock também exerceu grande influência no pós-punk de bandas como The Fall e Joy Division. Nos anos 90 e 2000, o gênero experimentou mais um renascimento, angariando novos seguidores, como Stereolab, Tortoise, Radiohead (que chegou a gravar a faixa "Thief", da banda Can), Deerhunter e, como não poderia deixar de ser, o quarteto inglês Fujiya & Miyagi.