O rompimento parece ter sido amargo e doloroso. Neil Tennant e Chris Lowe, integrantes da dupla Pet Shop Boys, não querem mais saber de tomar chá das cinco com o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair. Se no passado os músicos o apoiaram com entusiasmo quase juvenil, os tropeços da política externa do chefe de governo inglês, e principalmente seu apoio quase irrestrito aos desmandos do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, fizeram com que o duo repensasse seriamente seu posicionamento político. Tanto que "Im with Stupid" (Estou com o Estúpido), primeiro single de Fundamental, mais recente CD dos artistas, é uma espécie de esculhambação pública da parceria entre Blair e o estadista norte-americano.
Já nas paradas britânicas, "Im with Stupid", vertendo sarcasmo em doses cavalares, assume a perspectiva do primeiro-ministro trabalhista em relação ao seu colega da Casa Branca: "Ninguém me compreende/ De onde estou vindo/ Por que estaria com alguém/ Que é tão obviamente imbecil". Mais adiante, indagam: "Como qualquer amante poderia/ Você me fez de bobo?/ Você é meu Príncipe Encantado? Você sorri/ Eu poso/ Não é uma relação sincera/ Todo mundo sabe disso". Até parece que o duo retornou aos primórdios da carreira, quando detonavam sem piedade a então premiê Margaret Thatcher em hits como "Rent" e "Opportunities (Lets Make Lots of Money)".
Fundamental, entretanto, não se restringe ao impacto provocativo de "Im with Stupid", boa o suficiente para despertar o interesse do público, mas nem de longe a melhor do álbum, um dos trabalhos mais consistentes dos Pet Shop Boys.
Fruto da reunião de Tennant e Lowe com o produtor Trevor Nunn, com quem não trabalhavam desde a já clássica gravação de "Left to My Own Devices" (1988), o novo CD marca o retorno da dupla a vários dos elementos que a tornaram um dos grupos mais respeitados e bem-sucedidos da década de 80: a fina ironia das letras, sempre poéticas, provocativas e desconcertantes; as construções melódicas ao mesmo tempo românticas, líricas e dançantes; e o uso inteligente dos sintetizadores, não como substitutos de instrumentos musicais, mas na qualidade de fonte das sonoridades, por vezes insólitas, que dão cara e personalidade a Tennant e Lowe.
O tom de reflexão sobre a contemporaneidade continua na faixa "Twentieth Century", na qual os Pet Shop Boys, assumem sua ingenuidade em relação à invasão do Iraque: "Todos vieram para destruir o que estava podre, mas acabaram também por matar o que havia de bom". "The Sodom and Gomorrah Show" e "Casanova in Hell", embora falem de revoluções comportamentais (e sexuais), não são menos políticas.
Não faltam a Fundamental, no entanto, canções existenciais, intimistas, uma das marcas registradas dos Pet Shop Boys. Um dos destaques é "Numb", que revisita o desespero épico de "Its a Sin", do disco Actually: "Parece que eu sinto demais, vejo demais/ Por alguem tempo, eu quero esquecer/ Não quero sentir coisa alguma/ Não quero mais sentir esta dor".
Primeiro álbum de canções desde Release (2002) nesse meio tempo, lançaram uma nova trilha sonora para o filme clássico russo O Encouraçado Potemkin, de Eisenstein , Fundamental tem tudo para agradar os fãs de Tennant e Lowe e, de quebra, conquistar novos adeptos. Estofo para isso eles têm de sobra. GGGG
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