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Uma bunda num shortinho com estampa havaiana ocupa a tela toda do cinema. A câmera acompanha a moça (Paula Braun), que caminha tranqüilamente até a lanchonete onde trabalha. É lá que ela conhece Lourenço (Selton Mello), um homem sozinho que se apaixonará por ela. Não pela moça, pela bunda.

Assim é o "O cheiro do ralo", segundo filme de Heitor Dhalia (de "Nina"), que entra em cartaz nos cinemas do Rio de Janeiro e São Paulo nesta sexta-feira (23). O longa foi baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli, e por isso o protagonista, que na obra não tem nome, foi batizado com o do autor.

Lourenço vive de comprar quinquilharias de quem precisa desesperadamente de dinheiro. Com o tempo, ele é dominado pela frieza e se diverte dispensando gente que implora para que ele compre seu bem de maior valor. Entediado com tudo, ele decide também largar sua noiva (Fabiana Gugli), que não se conforma com o fim bem na hora em que ela tinha mandado os convites do casamento para a gráfica.

É nesse cenário que Lourenço vive, com um aborrecimento a mais: seu banheiro é dominado por um terrível cheiro, do ralo entupido. Com medo de que as pessoas achem que o cheiro vem dele, Lourenço avisa sempre: "Tá sentindo esse cheiro? É do ralo".

A adaptação do livro, feita por Marçal Aquino em parceria com o diretor, é mais leve do que a obra original. "O livro é mais sombrio, mais escuro que o filme. Fugi um pouco disso. O Lourenço contribuiu de todas as formas, mas criei uma distância da obra, queria interpretar de outro jeito", contou Dhalia, que acredita estar muito mais maduro agora que em seu primeiro longa.

"Os dois ['Nina' e 'O cheiro'] foram filmes de abertura. Concluem um projeto de dramaturgia e estética. Ambos têm um protagonista, jogo de poder, presença forte do dinheiro. Do primeiro para o segundo, aprendi a utilizar melhor o tom. No primeiro, pesei no tom, fui mais intransigente, adolescente. Era o meu filme de abertura, e ele acabou ficando muito parecido com os personagens, voltado para o interior, sem comunicação com o exterior. E aí deu nisso: incompreensão, aceitação parcial. No 'Cheiro' eu quis comunicar."

A rejeição que recebeu o sombrio "Nina", se transformou em afeição. Premiado em vários festivais, elogioado pela crítica e querido pelo público, "O cheiro do ralo" quase não saiu. Orçado originalmente em pouco mais de R$ 2 milhões, o filme não conseguiu atrair investidores para sua realização. "A gente não captou nada. O cara parava de ler já no título, dizendo que não ia financiar um filme que se chamava 'O cheiro do ralo'. Quando ele passava do título, parava na bunda [risos]", lembra o diretor.

A solução foi trabalhar em esquema de cooperativa. "Gastamos R$ 600 mil, metade para filmar e outra metade para finalizar. Fizemos tudo com recursos próprios, meus e dos outros produtores envolvidos." Um deles é Selton Mello, que caiu de amores pelo projeto assim que soube de sua existência.

"O Selton começou a me ligar quando soube que eu ia filmar o livro. Continuou me ligando até me convencer. Na época, não estava querendo assumir um compromisso tão antecipadamente. O diretor tem que ter liberdade para fazer o filme que quiser. Depois, se você fecha com o ator e muda de idéia, fica chato."

Mas o ator não estava disposto a desistir. Ele atuou, segundo o diretor, sem ganhar nada. "Os outros atores ganharam um cachê simbólico, que na época era de R$ 100. A gente falava: 'queremos você no filme, mas não temos dinheiro para pagar'. As pessoas conseguem entender isso, sabem que não estamos tentando ludibriar ninguém."

Quando finalmente chegou aos cinemas, "O cheiro" agradou e ganhou força. "O filme extrapolou o que foi idealizado para ele. Depois que foi feito, as pessoas entenderam que era um filme divertido e politicamente incorreto."

Autobiográfico

Com um ciclo encerrado, Heitor Dhalia parte agora para seu terceiro longa, que promete ser bem diferente dos anteriores. "Meu próximo projeto é autobiográfico. Será mais emocionante e menos doente. É sobre a separação dos meus pais, a destruição da família", conta.

O roteiro foi escrito por ele, e as filmagens estão previstas para acontecer em setembro. Mas não há ainda informações sobre o elenco. "Isso ainda não foi fechado", despista o diretor.

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