Há um tipo de pessoa que não sabe aceitar críticas: os políticos. Sempre de olho na sua imagem, rumo às próximas eleições, os ocupantes de cargos públicos jamais admitem erros em sua administração. Como se errar não fosse humano. Como se fosse possível gerir um órgão público de maneira perfeita.
Nitis Jacon, que dirigiu o Centro Cultural Teatro Guaíra, sai do cargo que ocupou, no mínimo, dando uma aula de como se portar diante dos problemas. Logicamente, ela exalta o trabalho que conseguiu fazer nos três anos e meio em que permaneceu à frente da instituição. Mas, quando alguém apresenta uma crítica pertinente, a reação é a mais elegante possível: ela admite que o interlocutor pode ter razão e diz que, em alguns casos, as cobranças que recebeu foram totalmente justificáveis.
As principais heranças positivas que Nitis Jacon deixa no Guaíra são duas, segundo ela própria. Uma é a idéia de que o Guaíra não é uma casa de espetáculos é muito mais do que isso. É um centro cultural, que deve estimular a cultura, não apenas recebê-la. E, em segundo lugar, lembrar que o Guaíra é do estado, e não do município de Curitiba.
As críticas ficaram na maior parte das vezes na dificuldade de implantar melhorias que envolvessem dinheiro. Mas ela se orgulha de ter conseguido dar gratificação aos funcionários, por exemplo, apesar da falta de mais verba.
Depois de décadas organizando o Festival Internacional de Londrina, o Filo, e de seu período no governo, ela está fora da atividade pública. Tentou se eleger senadora, depois deputada federal, mas não conseguiu. Agora, conta que pretende abrir um centro cultural em Londrina. Leia os principais trechos de uma entrevista concedida nesta semana ao Caderno G:
Caderno G A senhora se desligou do Guaíra para disputar as eleições deste ano. Agora que sua campanha para deputada federal acabou, o que pretende fazer?
Nitis Jacon Sou psiquiatra e pretendo voltar para o hospital, voltar a clinicar. Também tenho minhas atividades culturais que não dependem do Guaíra. Participo da organização do Festival Iberoamericano de Teatro de Cádiz, na Espanha, por exemplo, e tenho de viajar para lá agora.
A senhora pretende se candidatar novamente a cargos públicos?
A política partidária foi uma coisa recente na minha vida. Ainda tenho que ver como isso terá continuidade. Depende da discussão dentro do partido a que pertenço (o PSDB). Mas não tenho nenhum plano no momento de me candidatar novamente. E quais são os seus planos?
Tenho planos pessoais dentro da área da cultura. Estou trabalhando na idéia de criar um espaço cênico, multiuso, aqui em Londrina. Eu sempre cumpro etapas, cumpro metas e vou avançando. Por que a senhora acha que não conseguiu se eleger?
São várias razões. Algumas delas são evidentes, óbvias. O poder econômico continuou dominando a eleição. Acho que há uma relação meio espúria entre político e eleitor. Uma coisa meio consentida de lado a lado. Havia expectativa de que houvesse uma mudança, mas isso não aconteceu. Claro que isso não pode ser generalizado. Existem políticos que se elegem de maneira honesta e eleitores que votam de maneira lúcida. Entretanto, eu diria que há uma questão que é a da nossa cultura política. Luto dentro do meu partido para que haja formação política e formação de novas lideranças. Como é dirigir uma instituição do tamanho do Guaíra contando com um orçamento limitado?
A minha visão é um pouco particular. Trabalhei por muitos anos com o Festival Internacional de Londrina e também atuei como diretora, dramaturga e em várias outras atividades. E sempre com pouco dinheiro. Em alguns momentos, paguei para fazer cultura. A questão cultural sempre foi tratada com muito pouca atenção. Então, trabalhar no Guaíra com um orçamento pequeno não foi o mais difícil para mim.
Quais foram as suas prioridades?
Tinha me comprometido com o governador em fazer três programas plurianuais. Um deles era o de manter o que já havia. Desde o patrimônio físico, que estava precisando, até os corpos estáveis, que são de grande importância e que têm dificuldades. E conseguimos algumas coisas. Chegamos à conclusão de que a melhor saída era o concurso, tanto para o balé quanto para a orquestra, que agora está se tornando realidade. Resgatamos o Teatro para o Povo, o Teatro de Comédia do Paraná. Introduzimos o Ciclo de Leituras, voltaram a acontecer as óperas.
E de novidades?
Houve dois programas novos. Um é o Paranização, que horizontaliza as atividades do Guaíra. Porque o Guaíra não é uma casa de espetáculos, é um Centro Cultural. E não é do município de Curitiba, é do estado. Tínhamos 250 municípios atendidos pelo Paranização quando eu saí. E não com eventos esporádicos, mas com um trabalho que tem continuidade. Foi mais democrático do que a interiorização, que pressupunha que o interior não tinha cultura. O nosso trabalho era diferente. Era estimular a cultura que já existe. O outro programa é o da integração com o Mercosul. Porque estamos encravados aqui no miolo do Mercosul, mas não temos integração suficiente. A senhora recebeu críticas, principalmente devido às dificuldades vividas pelo balé e pela ópera. Como a senhora vê isso?
A crítica é fundamental. Se você só ouve elogios, acha que já está tudo pronto, e não está. O desenvolvimento cultural é considerado hoje pelos analistas como um dos pilares básicos para o desenvolvimento de uma sociedade. Mas antes não era. Saímos de um período de estagnação e de desconhecimento do que é a cultura. Leva-se um tempo para avançar nessas condições. Isso não digo para me justificar. As críticas são importantes. E fui muito mais criticada no primeiro ano, quando tinha acabado de chegar. Houve um certo estremecimento na classe artística de Curitiba quando eu cheguei, porque eu era de Londrina e porque já era uma pessoa polêmica. Não houve um ponto crítico na minha relação com os corpos estáveis. Mas há muitas demandas ainda. Inclusive em relação a uma sede para a orquestra, que hoje disputa espaço com outras atividades no teatro. Temos um terreno no Ahú que poderia servir para a orquestra e para a Escola de Dança, que também está em um lugar completamente inadequado. Avançamos bastante. Mas sei que as críticas em muitos momentos foram perfeitamente justificadas.
A senhora aceitaria voltar para o Guaíra em um eventual segundo mandato de Roberto Requião?
Não gosto muito de conversar sobre hipóteses. Sempre pode dar margem a interpretações equivocadas. Sendo reeleito, o governador sempre pode ter novas alianças, compromissos. E há muita gente competente, inclusive aí em Curitiba. E sendo convidada, não posso dizer nesse momento se aceitaria, porque eu já tenho um novo projeto. Eu só me sinto relaxada quando estou grávida de um projeto. E agora estou entusiasmada com essa nova idéia do centro cultural.
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