O homem que cuidou de uma geração de aspirantes a escritores em uma livraria de língua inglesa em Paris, oferecendo comida e uma cama para fãs da literatura em troca de eles espanarem as estantes do local ou escreverem as próprias memórias, morreu aos 98 anos.
O norte-americano George Whitman morreu no pequeno apartamento em cima da livraria Shakespeare and Company, onde ele conviveu com os poetas beatniks Allen Ginsberg e Jack Kerouac há meio século e onde fazia chás literários aos domingos para quem quisesse aparecer.
Homenageado com uma medalha francesa por sua contribuição para a cena literária de Paris, Whitman tornou-se uma figura paternal por mais de seis décadas para uma enxurrada de aspirantes a escritores de todo o mundo, que buscavam abrigo no segundo andar da sua livraria durante semanas.
Henry Miller certa vez descreveu sua loja, aberta em 1951 na margem esquerda do Sena, como "um mundo das maravilhas de livros".
"Milhares de pessoas do mundo todo experimentaram sua sopa de mariscos e seu sorvete de morango e sobreviveram graças a sua generosidade", disse Pia Copper, de 38 anos, uma negociante de arte que trabalhou na loja nos anos 1990 e continuou amiga próxima de Whitman.
"Ele lhes oferecia a possibilidade de viver perto de Notre Dame de graça enquanto escreviam seu primeiro romance ou pintavam um quadro. Muitos livros e poemas foram escritos ali."
A loja com a fachada verde foi fechada na quinta-feira e velas, flores e romances foram depositados em sua porta, onde um anúncio formal de sua morte dizia que ele faria falta a bibliófilos do mundo todo.
Homenagens escritas à mão coladas na loja agradeciam Whitman por sua generosidade ao fornecer um abrigo para "aficionados" da literatura ou desculpas por não terem conseguido terminar seus romances.
"Sinto muito por ter me saído tão mal na leitura de poesia", dizia uma nota. Outras foram deixadas dentro de uma garrafa de vinho que trazia escrito na etiqueta: "Mensagens na garrafa: Para George. Algo para você ler em sua viagem."
LIVRARIA
Whitman nasceu em Nova Jersey e passou parte de sua infância na China. Depois de estudar jornalismo e viajar muito, ele se mudou para Paris em 1948 com uma bicicleta e um gato como suas únicas posses e dormiu em um jardim universitário, como gostava de dizer. Assim que se instalou, começou a colecionar livros e iniciou uma biblioteca em seus aposentos em um hotel sombrio.
Ele abriu sua livraria, "Le Mistral", em 1951 e a rebatizou vários anos depois conforme incorporava livros da Shakespeare and Company original, frequentada por James Joyce e Ernest Hemingway antes que fosse fechada durante a Segunda Guerra Mundial.
A livraria de Whitman virou ponto de encontro de escritores como Arthur Miller, James Baldwin, Samuel Beckett, Anaïs Nin e, mais tarde, Lawrence Durrel, William Burroughs, Gregory Corso e Ginsberg. O poeta beat Lawrence Ferlinghetti tornou-se um dos amigos mais próximos de Whitman.
Virou um ponto turístico e de encontro para expatriados da língua inglesa, atraindo excêntricos, nômades e sonhadores. Quando uma embaixadora norte-americana apareceu por lá para uma visita, Whitman ofereceu a ela um canto para dormir.
Vivendo de acordo com o lema tirado de Yeats - "Não seja inóspito a estranhos, pois eles podem ser anjos disfarçados" -, Whitman ajudou almas boêmias em troca de uma ajuda na loja ou na cozinha. Centenas de pessoas deixaram ali notas contando suas histórias de vida.
Whitman sofreu um derrame em outubro, mas se recusou a ficar no hospital. Ele foi levado para casa por uma ambulância, cujos funcionários o carregaram pela escada apertada e pelos corredores lotados de livros até sua cama, feliz por estar de volta.
A loja era toda a sua vida e ele raramente a deixava. Whitman, que escreveu vários ensaios, mas nunca um livro, será enterrado em 22 de dezembro no cemitério Père Lachaise, local de descanso de Oscar Wilde, Molière e Jim Morrison. Sua família vai marcar sua lápide com uma estátua de Don Quixote, um de seus personagens de ficção favoritos.
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