Quem viu de perto as imensas filas que se formaram diante do Teatro Guaíra para a venda de ingressos do show de Chico Buarque não deve ter ficado exatamente surpreso com tanta comoção. Afinal de contas, há oito anos o artista, para muitos o maior compositor brasileiro vivo, não se apresenta em Curitiba. Haja vontade represada.

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Do ponto de vista de quem já assistiu ao belo espetáculo Carioca, contudo, é quase impossível não ficar preocupado se o público que vai lotar o Guairão por três dias consecutivos não terá suas espectativas até certo ponto frustradas.

Explicando: como Chico não é um criador que parou no tempo e não se limita de viver apenas de glórias passadas, como dezenas de outros no país do "Acústico MTV", ele se permite não fazer concessões ao gosto médio, para oferecer ao público obras que partem de conceitos cuidadosamente pensados. E isso significa que Carioca não é um espetáculo com "o melhor" ou "o mais popular" de sua carreira. Muito pelo contrário.

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Ao longo de toda a apresentação de Carioca, de mais de duas horas, Chico não contraria sua natureza mais reservada: mal pronuncia três ou quatro frases fora do roteiro e deixa que as 30 canções escolhidas para o repertório falem por si só. É a sua forma de interagir – a qual, diga-se de passagem, funciona plenamente.

A exemplo do disco que dá nome ao espetáculo, lançado ano passado pela gravadora independente Biscoito Fino, trata-se de um show "introspectivo", contido e minimalista tanto do ponto de vista visual quanto sonoro. O cenário de Hélio Eichbauer reproduz em três dimensões um desenho no qual o mestre Heitor Villa-Lobos traça o impressionante relevo montanhoso da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. E assim como o tom presente no CD, são poucas as canções escolhidas que têm o perfil "levanta povo", para cantar junto. É, sobretudo, um espetáculo para ser ouvido, sorvido com atenção.

As composições presentes no show, substituindo possíveis "conversas" que Chico poderia ter com a platéia, se abrem como as páginas de um livro, brotando umas das outras, fazendo lembrar aquelas bonecas russas e seguindo um roteiro coerente, que fala de violência, amores não correspondidos e, é claro, do Rio de Janeiro. Há associações de temas, melodias ou de palavras, mas esse artifício não é empregado de forma simplista – ou gratuita –, com o fim de contar uma história única.

Quem leu Budapeste, último romance de Chico, vai identificar esse recurso, que transforma o roteiro do show numa quase narrativa tortuosa e nem sempre festiva, mas sempre de alguma forma tocante, provocativa. O Chico mais óbvio e lírico, aquele de clássicos infalíveis como "Quem Te Viu, Quem Te Vê", "João e Maria" ou "Deixa a Menina", é sabiamente deixado para o bis, momento no qual o culto ao compositor popular explode e se transforma em espetáculo à parte, permitindo que todos façam sua catarse coletiva e saiam do show de alma lavada.

Além do repertório mais recente, Chico Buarque surpreende ao tirar do baú canções compostas para o balé O Grande Circo Místico ("A História de Lily Braun", "A Bela e a Fera" e "Na Carreira", todas compostas com Edu Lobo para o Balé Teatro Guaíra) e títulos menos conhecidos do grande público, como "Dois Irmãos", "Ela É Dançarina" ou "Já Passou". E, mesmo quando surpreende com algo mais "povão", como "Morena de Angola" (sucesso na voz de Clara Nunes), ele o faz de seu jeito, recorrendo a um arranjo discreto, bem ao seu estilo. GGGG1/2

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