O músico norte-americano Lou Reed tinha fama de gostar de desafiar seus ouvintes| Foto: Miguel Vidal/Reuters

Lembro bem o dia em que comprei meu primeiro disco do Velvet Underground, em meados dos anos 1990. Eu fui até uma loja na Ébano Pereira com o propósito específico de levar pra casa um CD usado do The Velvet Underground & Nico, o LP da banana. Por mais que já conhecesse uma ou outra música da banda, eu estava ansioso por ouvir aquele disquinho meio surrado.

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Àquela altura, a capa criada por Andy Warhol já era um ícone pop fazia muito tempo, estampava camisetas e canecas, e tudo quanto era crítico de música que eu lia reverenciava o grupo capitaneado por Lou Reed. (Ser fã de música na era pré-internet podia ser angustiante – você lia a respeito de artistas e ficava imaginando como era o som deles.) Quando o meu micro-system alcançou "The Black Angel’s Death Song", a décima faixa, eu congelei, fiquei hipnotizado, olhando para as luzinhas vermelhas do equalizador. E depois vieram os oito minutos de "European Son" e seus barulhos de vidro estilhaçado em meio a guitarras. Que raio de música era aquela? Era mesmo música? Parecia mais um discurso entoado. E aquele violino – só depois eu soube que era a viola elétrica do John Cale – dissonante?

Uma das principais reputações de Lou Reed – talvez a maior de todas – é a de que ele desafiava seus ouvintes. "Música nunca é alta o suficiente. A gente devia enfiar nossa cabeça nos alto-falantes. Mais alto, mais alto, mais alto", diz ele logo no início do livro Mate-me, Por Favor, em que Legs McNeil e Gillian McCain registram a história do punk. Na minha adolescência, ouvi Velvet com 20 anos de atraso, afinal, a banda tinha acabado lá no começo da década de 1970. Eu gostava de punk e da música alternativa – Sonic Youth, Smashing Pumpkins, R.E.M., Nick Cave – que ganhava força na onda grunge. Portanto, não imaginava que pudesse ser desafiado por algo tão... antigo. Minhas referências de rock sessentista eram a invasão britânica capitaneada pelos Beatles, a psicodelia e a cultura riponga de Woodstock e Jefferson Airplane. À medida que eu ouvia a discografia do Velvet (White Light, White Heat, The Velvet Underground, Loaded, VU) e da carreira solo de Lou Reed (Transformer, Berlin, The Blue Mask, New York), meus ídolos musicais ganhavam um pai e um avô em suas árvores genealógicas.

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Reed pertenceu ao clube dos grandes pioneiros da música popular, uma elite que aceita pouquíssimos membros – Elvis, Dylan, James Brown, Lennon, Iggy, Bowie... No Velvet Underground ou sozinho, criou praticamente tudo aquilo que diferencia o rock da mera mistura de ritmos caipiras com R&B. Conferiu importância – beleza, até – à distorção pura, ao eco e à estática. Inseriu nas letras a sujeira, as perversões e obsessões sexuais, o lado mais sujo, sombrio e honesto dos vícios. Foi essencial para dar longevidade e conceder um caráter mutante ao gênero. Se o rock sobreviveu os últimos 45 anos, deve muito a Lou Reed e sua capacidade de virar a música do avesso, e do avesso de novo, e mais uma vez.

"O rock é tão bom que as pessoas deveriam começar a morrer por ele", escreveu Reed, em um ensaio de 1973 sobre artistas mortos, "Fallen Knights and Fallen Ladies". "Talvez eu devesse morrer. Afinal de contas, todos os grandes cantores de blues já morreram. Mas a vida está ficando melhor agora. Não quero morrer. Quero?" Provavelmente não quis, e se manteve ativo até pouco antes da morte, no último domingo.

Os fãs de música agradecem.