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Confira trechos do encontro com José Pacheco, no qual dividiu o palco com Samuel Lago e com o deputado federal Marcelo Almeida (PMDB-PR), criador do projeto de leitura Conversa entre Amigos:

Erros da educação

"Penso que é melhor procurar onde é que a gente acerta. É o que talvez falte às políticas públicas. Conheço mais de cem escolas no Brasil. Posso dizer que encontrei aqui os melhores teóricos e as melhores práticas. Nunca vi tanta qualidade, mas também nunca vi professores tão maltratados. São muitos os projetos, mas têm de sair do armário. Somos o que fizemos de nós. Somos responsáveis pelo que fizeram de nós. É isso que pretendo: que desaprendamos para aprender. Que desaprendamos aquilo que fizeram de nós."

As escolas que visita

"Vou fazer uma confissão. Quando chego numa escola, a primeira coisa que faço é procurar seu RG. Primeiro vou ver se o banheiro dos alunos tem papel higiênico. Quase sempre não tem. Depois dos banheiros, passo à biblioteca. Há três hipóteses: ou está fechada, pois é um lugar perigoso; ou está vazia; ou está cheia. Nunca está vazia. Tem sempre uma mulher solitária, lá, num canto. Se está aberta e tem alunos, fico eufórico, mas podem estar de castigo. A biblioteca é um lugar entre o crime e o castigo. Depois vou para a sala dos professores. É o muro das lamentações. Falo com os professores e eles me perguntam como é que eu posso ajudá-los. Respondo indo com eles à sala de aula. É lá que tudo acontece. Lá faço perguntas. Assim é que começa o desejo."

O que querem os professores

"Um salário melhor (risos). Como pode o piso salarial de um professor ser nove vezes menor do que o de um médico? Em que país estamos? A educação está nove vezes abaixo da saúde. Os professores poderiam ganhar o triplo desde que enxugassem as despesas inúteis. O sistema educacional brasileiro desperdiça por ano R$ 56 bilhões. Mas não é com 10% do PIB ou salários altos que a situação vai melhorar. Essa escola que temos é um saco sem fundo. Há a máfia escolar. A crise do ensino brasileiro é uma crise moral. Eis a questão."

Os jovens

"Vejo a situação dos jovens com os olhos estrábicos, como gosto de dizer (risos). E sou um estrangeiro. O Brasil é muito preconceituoso. Há discriminação sexuais. Banheiros por gênero? Os que vêm da pobreza são considerados menos pessoas, menos jovens. Os próprios professores são maltratados, malvistos, desconsiderados e estendem esses sentimentos jovens com os quais trabalham. O João Cabral de Mello Neto dizia isso que as escolas brasileiras são usinas que engolem gente e vomitam bagaço."

Pedagogia

"No Brasil e em Portugal não lemos o que precisamos. Em Portugal os professores leem os Piagets, Vigotskys e outros fósseis. São ótimos, mas nenhum dos dois pôs os pés no chão da escola. No Brasil, os futuros pedagogos não leem Lauro de Oliveira Lima, não leem Nise da Silveira, não leem Florestan Fernandes. Os livros desses autores nem sequer estão nas bibliotecas.

Não quero projetos transdisciplinares. Quero projetos indisciplinares. Quero desfazer tudo. O que se vê na escola é mais burocracia do que pedagogia. Esse modelo está baseado no século 19, não funciona no século 21. O mundo mudou e a escola continua igual, com os recessos, as classes de apoio, a tia sala. Com as aulas de 50 minutos. Por que 50 minutos? Aula é algo inútil e prejudicial. Por que férias escolares? O hospital tira férias? Andamos a brincar com isso? Peço desculpas por ter me exaltado. Estou a ficar velho e a me emocionar fácil."

A Escola da Ponte

"Foram mais de 30 anos por lá. Quando comecei era jovem, com 25 anos, mas depois, à minha volta só via ex-alunos que eram agora professores. Não há nada pior para um projeto do que ter à sua volta um velho que tem sempre razão. Vim para o Brasil e no Brasil vivo metido nas escolas. No projeto Âncora estou até três dias por semana. Não estou mais porque quero passar discreto, pois quem faz o Brasil é o brasileiro, não eu, um portuguesinho."

Projeto Âncora

"O projeto Âncora foi criado a partir de professores como nós, frágeis, que passaram por quatro anos de clausura para se formar (risos). Quando se fez o projeto, foi perguntado se havia alunos para participar daquela escola. Imaginem quais foram os alunos que nos mandaram? São adolescentes de 13 anos que não sabem ler nem escrever; jovens que viram matar o pai; meninas e meninas do tráfico. Vieram todos. O Âncora funciona em volta de uma lona de circo, uma ágora. Tem tenda para artesanato. O material humano é bastante difícil: ali estão crianças e jovens privados de tudo.

No início eram cinco professores, para centenas de jovens. Sim, cinco, porque a comunidade está lá. Todos partilham seus conhecimentos. Não há magia."

Historinha

"Me disseram para ir à pista de skate do Âncora. Quando cheguei lá, o Maicon, de 11 anos, dava chutes e pontapés em tudo mundo. Minha reação foi segurá-lo. Porque a educação é antropofágica. Precisava estar com ele, criar um vínculo amoroso. Esse nunca conheceu o pai, talvez tenha morrido na prisão. A mãe foi assassinada na cara do garoto, quando ele tinha 3 anos. Depois, na casa de um tio, viu o parente estuprar jovens para colocá-las na prostituição. Maicon conhece todas as posições sexuais que se pode imaginar. Aos 7 anos foi mandado para o avô, e alguém lá o violou. Maicon não controla os esfíncteres. Ele se sentia no direito de bater em toda a gente.

Acabando a história: não o deixei fugir. Sentei-o comigo. Apertei uma mão à outra mão – eu tenho um amor maduro pela infância, não tenho pieguismo. Ficamos minutos assim, até que pediu se podia me dar um abraço. Aquela criança abraçada a mim, chorando, cheirava a urina, fezes, suor. Maicon hoje está bem. Virou meu chiclete. Tem 12 anos e é um garoto bacana, que aprendeu até a educar seus esfíncteres."

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