Mais conhecida por atuações em telenovelas e minisséries brasileiras, a atriz Maitê Proença valida seu gosto e interesse pela literatura com o lançamento de Todo Vícios, o quinto livro de sua carreira como escritora. Na história, que parece estar longe de um final feliz, Maitê expõe aos leitores Stella, uma bela e madura atriz e escultora, feliz com sua "aridez sentimental libertadora" que se apaixona pelo inseguro João, um publicitário cinquentão, feio e viciado em remédios tarja preta. É uma relação moderna, que vai ganhando corpo com trocas de mensagens de celular nada incomum nos dias de hoje.
Em entrevista à Gazeta do Povo, a autora que deverá entrar na trama da novela "Alto Astral", da Rede Globo comentou um pouco mais da obra, que, indiretamente, reflete traços de sua própria vida. "Todo Vícios" é o primeiro livro de Maitê a ser publicado pela editora Record. Confira a entrevista:
O que te levou a pensar e a botar no papel uma história como essa, uma relação moderna (no sentido da tecnologia empregada) entre duas pessoas que mais parece, de início, uma desafinação entre dois seres, um grande desencontro?Poderia ter feito de João um caminhoneiro e Stella, professora. Seria fácil. Mas esta história não é sobre o que eles fazem, mas sobre o que sentem, o que fazem de seus sentimentos, sentimentos que apavoram tanto que as pessoas se dopam para sentir menos, e evitam encontros de carne e osso. Além disso, eu acabo de girar o país com minha terceira autoria teatral, "À beira do abismo me cresceram asas". Também dirigi a peça e fiz como atriz durante dois anos. Minha personagem era uma velha de 86 anos, rural e simplória. Eu precisava voltar para mais perto, pra um contexto urbano, moderno, digital.
Stella, uma mulher resolvida, sensível e intuitiva, mas, digamos, um tanto vulnerável. Paulo, intrincado, inseguro, racional e bastante complexo. Qual dos dois personagens foi mais fácil para criar e conduzir?Stella não é resolvida, só parece. Mas ela é tão neurótica quanto João por se deixar enredar numa aventura atormentada fadada ao abismo. Ela sabe disso desde o início, mas insiste arrogantemente, acreditando no impossível. Ela cisca as migalhas que João lhe concede. Nessa história eles se complementam. Eu poderia ter contado tudo com um único narrador, mas precisei dos dois para mostrar como, apesar de estarem numa única relação, jantando juntos, ou numa noite de sexo, cada um enxerga de modo distinto a mesma situação. Eles não se dão conta, mas não se conhecem.
O texto é muito espontâneo e com manejos narrativos e literários bem casados com a proposta do seu livro. Que leituras são suas principais influências para escrever?Não sei. Enquanto escrevia "Todo Vícios" li Virginia Wolf, Orlando e Alice Munro. Elas têm estilos absolutamente distintos. Uma tem aquela escrita sofisticada e caudalosa que carrega a gente por duas páginas sem colocar um ponto. A outra é simples, quase ingênua, e do nada solta uma frase de uma percepção tão aguda e precisa que a gente fica tonta de não ter se preparado pra tanta sabedoria. Tenho um pouco de aflição dessa escrita da moda, herdada do jornalismo americano, em que tudo tem que ser seco e curto. Virou uma obrigação e todo mundo escreve assim, igual. Então dei à Stella um estilo de mais lírico, às vezes um tanto poético, e a João a forma mais objetiva e seca. Eram duas vozes e acho que consegui que fossem distintas na forma.
Como é o seu processo de escrita? Você é daquelas que se joga inteiramente na ideia ou prefere escrever de maneira mais descontraída, sem se autopressionar?Vou seguindo meus impulsos, para que saia com a minha pegada, não me reprimo. Nesse livro Stella narra em terceira pessoa, mas às vezes pula pra primeira sem avisar. Isso não se faz. Mas eu tinha vontade e percebi que acontecia sempre que ela queria o leitor mais próximo, mais íntimo, então deixei. Depois deste momento inicial mais impulsivo, eu rescrevo cem vezes cada trecho.
Você acha que as novas tecnologias mudaram (e ainda mudam) a concretização de relacionamentos amorosos de uma maneira geral? Pelo lado bom ou ruim?Se já era difícil quando as pessoas se encaravam, viam a postura do corpo, o tom da voz, o estado emocional, as hesitações e inseguranças, se com todos esses elementos a gente já se estranhava, imagine agora com três palavras escritas às pressas e enviadas por Whatsapp entre um afazer e outro.
Você se importaria de dar os primeiros passos de um relacionamento via torpedos ou ainda considera a sinestesia de uma relação como requisito básico?Os primeiros passos você dá como pode. Vale tudo. E se houver vontade haverá também mais tolerância nesse princípio de tudo. Depois é que a coisa pega.