Talvez os diretores andem meio pessimistas, ou talvez seja mesmo o recorte feito pelo delegado-general do Festival de Cannes, Thierry Frémaux. O fato é que a competição do 64.º Festival de Cannes tem mostrado, com raras exceções, o lado duro da vida. Ainda bem que, durante o fim de semana, houve também exceções.
LApollonide, o acadêmico estudo de Bertrand Bonello sobre um bordel na Paris da virada do século 19 para o 20, mostra a violência contra as prostitutas e a fixação por determinadas práticas sexuais. O problema é que o diretor de Tiresia e O Pornógrafo trata suas personagens como se fossem participantes de um estudo de caso sobre uma classe trabalhadora, em vez de indivíduos, com dramas pessoais bem desenvolvidos. É tão desprovido de vida quanto uma tese acadêmica.
Outro filme que ficou abaixo da média normalmente apresentada na seleção foi o israelense Hearat Shulayim, de Joseph Cedar, que só se encaixa na seleção por conta de sua temática, a disputa feroz de pai e filho no mundo acadêmico os conflitos familiares estão em voga neste festival. O diretor tenta esconder o vazio com truques e gracinhas tolos.
Barra-pesada mesmo, daquele tipo que provoca vaias só pelo fato de existir, é Michael, do estreante austríaco Markus Schleinzer, diretor de casting de vários filmes de Michael Haneke. O tom seco é parecido, ainda que o cineasta evite as cenas mais gráficas ao contar a história de um pedófilo. Michael (Michael Fuith) é um sujeito aparentemente comum, que trabalha numa seguradora, tem poucos amigos e esconde um garoto no porão. O longa o apresenta como ser humano e não monstro, apesar de deixar clara sua monstruosidade talvez até demais, como se tivesse uma lista de traços da personalidade desse tipo de criminoso.
O tema é sensível, e Michael trata tudo de forma fria. Incômodo, mas revelador de um cineasta estreante a quem se deve observar.
Por sorte, os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, que costumam apresentar realidades bem duras, vieram mais leves com Garoto de Bicicleta. Tudo começa difícil para o pequeno Cyril (Thomas Doret), abandonado pelo pai num internato e rejeitado depois, na cara dura, quando vai procurá-lo no restaurante onde ele está trabalhando. O menino fica revoltado, mas tem uma chance de ser salvo graças à cabeleireira Samantha (Cécile de France, com o maior jeito de fada boa). A questão é se ele vai querer essa ajuda. Inspirado em contos de fadas, é um Dardenne menos contundente e mais fácil, mas com o talento habitual dos belgas que já ganharam duas Palmas de Ouro.
Bem mais para cima é The Artist, de Michel Hazanavicius, repleto de nostalgia. O diretor ousou ao realizar um longa-metragem mudo, em preto e branco, que trata do mesmo tema de Cantando na Chuva, o clássico de 1952 estrelado por Gene Kelly. Na trama, Georges Valentin (o astro francês Jean Dujardin) é um astro da Hollywood da era do cinema mudo aparentado de Rodolfo Valentino e Douglas Fairbanks.
Quando o som chega, ele vive a decadência absoluta enquanto Peppy Miller (Bérénice Bejo), que conheceu quando ela ainda era aspirante a atriz, tem uma carreira meteórica.
Apesar de extremamente divertido e emocionante, com seu misto de comédia e melodrama, The Artist toca em temas sérios como fama e descarte de pessoas com qualidade técnica e sacadas bem espertas. Mas a redenção mesmo, o filme que mostrou que, apesar das perdas, a vida vale ser vivida, é A Árvore da Vida (leia reportagem da capa), de Terrence Malick. Foi um sopro de vida numa seleção marcada pelo desespero.
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