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Visitantes conhecem a exposição “Sítios Eternos: De Bamiyan a Palmira”, em Paris, que visa chamar atenção para a crescente ameaça ao patrimônio global. | Dmitry Kostyukov/NYT
Visitantes conhecem a exposição “Sítios Eternos: De Bamiyan a Palmira”, em Paris, que visa chamar atenção para a crescente ameaça ao patrimônio global.| Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Quando o Estado Islâmico estava prestes a ser expulso da antiga cidade de Palmira, em março de 2016, Yves Ubelmann recebeu uma ligação do diretor de antiguidades da Síria para vir correndo até o país.

Arquiteto de formação, Ubelmann, de 36 anos, já havia trabalhando na Síria antes do país ser tomado pela guerra. Mas agora, havia urgência para o tipo de trabalho que ele e sua equipe de jovens arquitetos, matemáticos e designers faziam em um pequeno escritório em Paris: produzir cópias digitais de sítios arqueológicos ameaçados.

Palmira, que já havia sido parcialmente destruída por militantes islamistas que consideravam os monumentos “idolatria”, ainda estava repleta de explosivos. Por isso ele e Houmam Saad, seu colega sírio, passaram quatro dias voando com um drone equipado com uma câmera robótica por sobre os arcos e templos em ruínas.

“Os Drones com quatro ou seis rotores são capazes de planar bem perto dos monumentos e registrar todos os detalhes estruturais, incluindo cada rachadura e orifício, de forma que podemos obter medidas muito precisas. É disso que os arquitetos e arqueólogos precisam”, afirmou Ubelmann, fundador da empresa Iconem.

Eles precisam disso em função das novas iniciativas de preservação virtual encabeçadas por cientistas, arqueólogos e outros profissionais como Ubelmann, que estão registrando inúmeros monumentos. Os registros poderiam ser usados para criar modelos de computador que poderiam ser utilizados para mostrar como monumentos e sítios históricos podem ser restaurados, reparados, ou reconstruídos, caso sejam destruídos.

Guerra de imagens

Os sítios arqueológicos da Síria e do Iraque são os mais preocupantes, já que sofreram muito com a guerra e com saques promovidos pelo Estado Islâmico. “Palmira foi muito difícil”, afirmou Ubelmann.

“Os terroristas divulgaram vídeos nos quais explodiam monumentos e destruíam estátuas com o objetivo de manipular a opinião pública. Sentimos que a melhor resposta era mostrar imagens desses lugares, exibindo seu esplendor e sua importância para a cultura. Travamos uma guerra de imagens.”

A última frente nessa guerra são as salas de exposição do Grand Palais, em Paris, onde até o dia nove de janeiro muitas das 40 mil imagens obtidas por ele e sua equipe em Palmira se tornaram a base da exposição intitulada “Sítios Eternos: De Bamiyan a Palmira”, que visa chamar atenção para a crescente ameaça ao patrimônio global.

Para destacar a importância política da exposição, sua abertura contou com a participação do presidente François Hollande, da França, que a descreveu como “um ato de resistência” contra o terror e a intolerância. Segundo ele, mostrar a beleza do patrimônio do Oriente Médio “é a melhor resposta à propaganda cheia de ódio, destruição e morte promovida pelos islamistas”.

Devastação

Dmitry Kostyukov/NYT

Jean-Luc Martinez, diretor do Louvre e principal curador da exposição, afirmou que os sítios foram escolhidos porque “estão sob a ameaça constante de ladrões, do abandono ou da destruição, além de não serem acessíveis ao grande público”. Segundo ele, o objetivo da exposição era mobilizar a opinião pública “em face à devastação de um patrimônio único”.

Além das imagens de Palmira, a exposição multimídia mostra enormes fotografias e vídeos em 3D, levando os visitantes a diferentes eras, incluindo a antiga cidade iraquiana de Khorsabad por volta do ano 700 a.C., uma mesquita do século VIII em Damasco e uma cidadela cristã medieval.

Ubelmann ignorou as críticas de que estaria colaborando com o governo do presidente sírio, Bashar Assad. “Estamos trabalhando sem ganhar nenhum dinheiro, não para beneficiar governos, mas para ajudar arqueólogos.” Eles compartilharam o trabalho com arqueólogos sírios, afirmou, acrescentando que “também treinamos nosso colegas para que possam fazer a mesma coisa por conta própria no futuro”.

Drones

O foco principal é a memória e as possíveis restaurações. No ano passado, sua equipe levou drones para mais de 20 sítios históricos na Síria. Recentemente, foram para zonas controladas pelos curdos no Iraque, próximas ao front e em luta constante contra o Estado Islâmico.

Agora a equipe está analisando os efeitos da guerra sobre o que restou de cidades de mais de três mil anos, incluindo Ninevah, Khorsabad e o templo e o palácio de Nimrud, completamente destruídos, de onde o governo expulsou os jihadistas em novembro.

Em 2015, os islamistas divulgaram vídeos que mostram militantes usando marretas para quebrar imagens humanas e dos míticos touros alados como parte de sua campanha contra os ídolos.

“Nimrud provavelmente foi a mais esplêndida das cidades Assírias”, afirmou a arquiteta síria Layla Abdulkarim, enquanto analisava as fotografias aéreas.

Utilizar drones para realizar trabalhos arqueológicos não é novidade, afirmam especialistas, mas durante um encontro recente em Paris, pesquisadores de toda a Europa e do Oriente Médio afirmam que agora precisam praticar “arqueologia de guerra”, ou seja, coletar dados confiáveis em áreas de extremo risco.

As imagens obtidas com a ajuda dos drones em zonas de guerra mostram ser extremamente valiosas. Mas elas estão longe de resolver o problema. Antes da guerra, quase 150 projetos arqueológicos estavam em andamento apenas na Síria, afirmam pesquisadores.

Crimes de guerra

Especialistas de muitos países tentam avaliar o dano causado a antigas cidades sírias, mas também em áreas com grande presença do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, uma região fundamental para a história da humanidade e que muitas vezes é reconhecida como o berço da economia e da escrita moderna. Muitos esperam mais dados sobre o caos gerado no Iêmen pelo bombardeio saudita.

“As pessoas trocam imagens de satélite e dados de blogs e outras plataformas de pesquisa, mas ainda não podemos avaliar com precisão, já que muitos sítios arqueológicos não são acessíveis”, afirmou Pascal Butterlin, professor de arqueologia na Universidade de Sorbonne, em Paris.

O tempo urge, mesmo no caso de ruínas de cinco mil anos, afirmou Butterlin. Ele liderou expedições por mais de 20 anos em Mari, próxima da fronteira entre a Síria e o Iraque. Antes de fugirem, os guardas de Mari relatam que muitos saqueadores vieram do Iraque.

“Precisamos saber quais lugares precisam ser estabilizados e como os saqueadores alteraram os sítios. Evidências importantes, como escavações clandestinas, podem desaparecer muito rapidamente por meio de tempestades de areia e da erosão.”

A exposição em Paris, que está atraindo multidões, coincide com “A História Começa na Mesopotâmia”, uma exposição no museu regional do Louvre, em Lens. Ambas as exposições destacam o preocupação do governo francês com os danos à cultura na Síria, que foi controlada pela França durante um curto período na primeira metade do século XX.

Hollande demonstra muito interesse, condenando a destruição deliberada do patrimônio por todos os lados como “crimes de guerra”. No mês passado, a França ofereceu US$ 30 milhões para um fundo de US$ 100 milhões com o objetivo de proteger os sítios arqueológicos, fornecendo um armazenamento emergencial de artefatos e, posteriormente, reabilitando os monumentos danificados.

Na abertura da exposição “Sítios Eternos”, no Grand Palais, Hollande destacou que a França estava recebendo mais refugiados sírios; tentar proteger monumentos de grande importância cultural e histórica não significa ignorar o sofrimento da população.

“Devemos nos preocupar com o patrimônio da humanidade? O que é mais importante, salvar vidas ou salvar pedras? Na verdade, essas duas coisas são inseparáveis.”

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