Em A Busca, Wagner Moura e Mariana Lime são um casal em crise cujo filho desaparece| Foto: Divulgação
O Som ao Redor retrata o cotidiano em um bairro residencial do Recife

A Première Brasil, mostra competitiva de longas-metragens do Festival do Rio, que se estende até quinta-feira na capital fluminense, exibiu nesta edição do evento dois filmes que abordam a classe média do país, pouco representada na produção dita mais dramática, de diferentes ângulos: O Som ao Redor, do diretor pernambucano Kléber Mendonça Filho, e A Busca, do paulista Luciano Moura.

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Nos Estados Unidos, onde já estreou, o primeiro longa de Mendonça foi recebido com críticas entusiasmadas, de veículos como o The New York Times, que identificaram no filme uma renovação formal e uma percepção ao mesmo tempo refinada e contundente da sociedade brasileira, da relação entre classes sociais em um microcosmo bastante específico, mas mesmo assim exemplar. Aqui, venceu os prêmios de melhor direção e melhor filme, pelos júris popular e da crítica, no Festival de Gramado deste ano.

O Som ao Redor foi rodado na rua onde o cineasta vive, situada no bairro Setúbal, de classe média abastada, na zona sul de Recife. A região, no filme, é quase toda controlada por Francisco (Waldemar José Solha), um senhor de engenho que hoje vive na cidade grande, cercado de filhos e netos, mas de certa forma ainda a defender uma ordem social patriarcal e autoritária apenas disfarçada por uma fachada de modernidade – ele é o dono de quase todos os imóveis.

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Embora reine uma aparente tranquilidade na vizinhança, a calmaria não convence: há uma tensão, de início apenas sugerida, que sobretudo se apresenta por meio de sons – daí o título do filme. Latidos de cães, barulhos de aspiradores de pó, carros freando, vozes, apitos, sirenes. Todos têm significados e servem de costura para a trama, que ganha novo rumo quando Francisco permite que Clodoaldo (Irandhir Santos, de Tropa de Elite 2) se instale na rua com um serviço particular de segurança. Discute, entre outros temas, o conflito entre classes, violência urbana, milícias e especulação imobiliária.

Mendonça Filho contou, em debate que se seguiu à projeção do filme no domingo à tarde, no Pavilhão do Festival do Rio, que sua mãe é históriadora e se dedicou a estudar o período em que a escravidão foi abolida do Brasil, no fim do século retrasado. Disse que a sociedade brasileira nada fez para receber os negros, agora novos cidadãos. "Isso se reflete até hoje na maneira como a gente se relaciona como sociedade. Acho o Brasil um país extremamente racista e quis usar isso no filme, mas sem usar a palavra racismo, exatamente como o preconceito se manifesta na sociedade brasileira."

Thriller familiar

Em comum com O Som ao Redor, A Busca tem o fato de também ser um longa de estreia e de tomar como foco a classe média, embora não pretenda assumir conotações de ordem sociológica. É um thriller dramático.

A busca que dá título ao longa é a do médico Theo (Wagner Moura) por seu filho, o adolescente Pedro (Brás Antunes, filho de Arnaldo Antunes), que foge de casa depois de brigar com o pai, que está se separando de sua mãe, Branca (Mariana Lima, excelente). O estopim do conflito é uma cadeira enviada pelo avô do garoto, que saiu da vida de Theo quando ele era pequeno. A possibilidade de uma aproximação com seu filho o tira do sério e essa reação faz com que o menino desapareça.

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Exibido neste ano com o título de A Cadeira do Pai, mostra como Theo, diante do sumiço de Pedro, parte em busca do filho, que fugiu, acreditem ou não, no lombo de um cavalo. Essa jornada, que atravessa estados e situações as mais diversas, algumas bem dramáticas e outras cômicas, atestam o talento de Wagner Moura como ator e anunciam um diretor que, se não faz um filme ousado na forma, é capaz de prender a atenção e de emocionar em alguns momentos.