Ousadias
Lançar programetes interativos para acompanhar cada música é apenas o passo mais recente na carreira de experimentações de Björk.
1997 No álbum Homogenic, Björk quis fazer uma espécie de "releitura eletrônica" dos sons da natureza instável vulcões, atrito das geleiras, terremotos. Essa foi a maneira que encontrou de homenagear a Islândia, sua terra natal.
2001 As faixas de Vespertine são repletas de samples inusitados, como o som de cartas sendo embaralhadas e passos na neve. Parte do disco foi inicialmente gravada em um laptop.
2004 Talvez na mais arrojada de suas criações sonoras, Björk resolveu abolir os instrumentos musicais em Medúlla. Quase todos os ruídos do CD, da parte rítmica às harmonias e melodias, foram produzidos pela voz humana.
2011 Além dos aplicativos para iPad, foram criados novos instrumentos para as canções de Biophilia, como o gameleste (mistura de gamelão com celeste) e bobinas que imitam o som de curtos-circuitos.
Cada vez que Björk anuncia o lançamento de um novo álbum surgem especulações sobre qual será a esquisitice do momento. O histórico justifica o burburinho. Em 2004, a cantora lançou Medúlla, disco em que os instrumentos musicais foram substituídos pela voz humana (tratada e distorcida até o ponto de ficar parecida com cordas ou percussão). Sete anos antes, Homogenic buscava, por meio de ruídos eletrônicos, fazer alusões aos sons da natureza das ondas do mar, do retorcer de galhos, de vulcões, do atrito entre placas de gelo e assim por diante. Em seu último disco, porém, Björk parece ter guardado a maior parte das experimentações para a fase de produção. Todas as faixas de Biophilia foram pensadas como um conjunto de aplicativos para iPad. Alguns trechos, inclusive, foram gravados não em estúdio, mas no tablet.
Para quem escuta o disco, entretanto, o modo inusitado como ele foi concebido com o envolvimento de profissionais tão distantes da produção musical como programadores e designers é meramente decorativo. Independentemente dos softwares que as acompanham, as músicas sobrevivem por conta própria. Em Biophilia, Björk não abandona o propósito de desafiar o ouvinte, mas suas canções mostram-se acessíveis já na primeira audição. Nesse sentido, o novo álbum da artista se assemelha a Post (1995), seu maior sucesso comercial (dos sucessos "Its Oh So Quiet" e "Hyperballad"), ou também a Volta (2007), trabalho que serviu de base para o show que a artista islandesa apresentou em Curitiba há quatro anos.
As relações com os trabalhos anteriores param por aí. Assim como os ingleses do Radiohead, Björk não faz questão de se repetir. "Crystalline", o primeiro single, começa calma com uma letra sobre a formação de cristais no subsolo terrestre ("Pedras surgem em câmera lenta / Domino a claustrofobia / E exijo a luz") apenas para explodir num ritmo frenético de drum n' bass lá pela metade da faixa. "Mutual Core" segue uma estrutura parecida, inclusive no tema: saem os diamantes, entram as placas tectônicas como metáfora para os sentimentos.
A força no trabalho de Björk e aqui se trata de toda a carreira da cantora, não apenas de Biophilia está, frequentemente, nesse uso exagerado de artifícios frios, insensíveis e inertes, como a eletrônica avançada, para evocar emoções muito humanas. Exemplo claro dessa qualidade está na belíssima "Virus", em que ela canta "Como o vírus que precisa de um corpo / Como tecidos que se alimentam do sangue / Eu um dia encontrarei você, o impulso está aqui". Sons que imitam uma dezena de xilofones seguram a harmonia, que dá a impressão de querer descarrilar a cada poucos segundos. A voz aquela voz única, que reúne tantos admiradores quanto detratores e o fraseado muito particular de Björk elevam a canção para um terreno que bem poderia ser descrito como uma variante contemporânea da soul music uma "música para a alma" de tempos dominados por redes sociais, smartphones e iPads.
Serviço:Biophilia, Björk. Universal Music. Preço médio: R$ 29,90. Eletrônica. GGGG
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