Opinião
Criolo e parceiros conseguiram se superar no novo trabalho
Depois do enorme barulho feito por Nó na Orelha, provavelmente Criolo, Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral sabiam que, ao partir para o disco seguinte, estariam fazendo um trabalho para ser olhado com uma lupa. Apesar da insistência do rapper paulistano na espontaneidade e despretensão de seu trabalho, sempre acompanhada por um discurso de gratidão e humildade, às vezes até repetitivo, ele estaria inevitavelmente exposto a comparações e até a uma certa má-fé de quem preferiu questionar o alcance do álbum anterior independentemente dos méritos da obra. Este contexto, por si só, já engrandece Convoque Seu Buda. Mas o álbum ainda vai além e consegue soar ainda mais interessante que o anterior.
Das ideias musicais às interpretações, passando pela composição e pelo conjunto, o novo trabalho é, em geral, mais bem-resolvido, mais seguro, mais bem-acabado. Criolo consegue expressar com ainda mais clareza a complexidade de sua leitura sobre a sociedade o que faz com elegância e inteligência, fugindo da autorreferência que marca alguns trabalhos de rap ao mesmo tempo em que foge do sociologismo que frequentemente resulta do difícil exercício da crítica social na música. Tudo isso podendo contar com algumas das mentes musicais mais talentosas da música brasileira hoje. GGGG
Show
Criolo
Ópera de Arame (R. João Gava, 970), (41) 3213-7522. Dia 6 de dezembro, às 21 horas. R$ 90 e R$ 50 (meia-entrada) e R$ 110 (camarote). Valores referentes ao 2º lote, sujeitos a alteração sem aviso prévio. Sujeito à lotação. Classificação indicativa: não informada.
Para a grande maioria do público que acompanhou a ascensão do nome Criolo em 2011 quando, de repente, o artista estava sendo citado nos shows de Chico Buarque e cantando ao lado de Caetano Veloso o amplamente elogiado Nó na Orelha foi o álbum de estreia do rapper do Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo. O disco se espalhou com força surpreendente e o colocou entre os nomes mais festejados da música brasileira recente.
Era natural que houvesse uma grande expectativa em torno do trabalho seguinte de Criolo, e que o cantor sofresse a pressão do segundo disco, tão comum a artistas elogiados em suas estreias.
Mas Nó na Orelha, na verdade, já era o segundo disco do paulistano Kleber Gomes, que em 2011 tinha 23 anos de carreira e um disco na bagagem o bem menos conhecido Ainda Há Tempo (2006). O sucesso chegou quando ele não esperava mais nada. Logo, o recém-lançado Convoque Seu Buda, cuja turnê chega a Curitiba em dezembro, nasceu em um clima de dever já cumprido por parte de Criolo.
"A gente se questionava qual a necessidade de fazer outro disco, já que o Nó na Orelha nos deu tanta coisa boa", explica o rapper, em entrevista por telefone para a Gazeta do Povo. "O álbum veio no sentido de uma celebração, de agradecimento a tudo o que pessoas maravilhosas me proporcionaram", diz, com a sobriedade e a generosidade que lhe são peculiares ao falar sobre o êxito tardio que ele até hoje diz não entender.
"Acho que alguma energia maravilhosa chegou e falou vamos dar uma força para esse cara, que já está há mais de 20 anos aí", brinca.
Rap e canção
Convoque Seu Buda celebra a seu próprio modo. Novamente cunhado em parceria com os produtores Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, e em sintonia com alguns dos artistas mais interessantes da cena atual de São Paulo (como Tulipa Ruiz, Rodrigo Campos e Kiko Dinucci, que participam das faixas), o álbum mira novamente em uma sonoridade antenada e na ambivalência de Criolo como rapper e cancionista pendendo um pouco mais para o primeiro de forma não intencional, conforme explica o músico. "Poderia acontecer de não ter nenhum rap", diz. "Fizemos um passadão de todas as canções, e a partir dele, começamos a levantar as músicas que nos emocionavam mais. Tem canções de cinco anos atrás, poemas de dez, e coisas feitas esse ano", conta Criolo.
Por meio de seu rap com traços peculiares, o artista versa com ironia sobre o culto fantasioso ao luxo do ponto de vista de um funcionário de bufê em "Cartão de Visita"; trata de questões atuais pungentes como as desocupações violentas na faixa-título; e cita Edi Rock e Sabotage em "Esquiva da Esgrima".
Usando a canção, Criolo canta sobre a fragilidade dos moradores de rua diante da expansão imobiliária em "Casa de Papelão"; faz um divertido samba sobre um padeiro em dia de greve de ônibus ,"Fermento pra Massa"; e explora a música nordestina em "Pegue pra Ela", uma espécie de afro-beat com baião contornado pelos pífanos do saxofonista e flautista Thiago França, que também assina o potente arranjo de metais de "Casa de Papelão".
Das temáticas mais duras ao humor, tudo ganha um verniz de transcendência, à maneira do próprio nome que Criolo escolheu para o disco. "Dentro desse caos todo que está posto, não se pode esquecer que dentro de você existe algo positivo", diz o cantor, explicando o significado de "convocar seu buda". "Por mais difícil que seja o lance, há algo que ajuda a buscar esse equilíbrio", diz.
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