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Sejamos otimistas. Alguma coisa deve prestar em Dois Quartos, o novo CD de Ana Carolina. Afinal, trata-se de um álbum duplo, composto por 24 faixas que passeiam por diversos estilos. Há temas instrumentais, climas intimistas, sambas, um remix. Até o vozeirão exagerado da cantora soa diferente, mais contido. Dureza mesmo é agüentar as letras, algumas delas com versos de doer os ouvidos. Ou alguém passa impune por pérolas como "Peço paz aos filhos de Abraão/ Quero Gandhi na melhor versão", incluídas logo na canção de abertura?

Pois é... Ana Carolina agora também canta temas "de protesto". Outra dessa lavra, "Notícias Populares", surgiu depois de uma tentativa de assalto. "Tomei um tiro no vidro do meu carro/ É a pobreza tirando o seu sarro, foi meu dinheiro, meu livro caro", diz a letra. Já "O Cristo de Madeira" mistura religião e crítica social: "Saiu da cadeia sem um puto/ Sol na cara monstruoso/ Ela é da alma "trip" dos malucos/ Belo, mas nunca vaidoso (...) Aonde anda seu irmão?/ Em algum buraco pelo chão/ Ou freqüenta alguma igreja/ Chamando a outros de irmão". Sentiu o drama?

Outro eixo temático do trabalho é a sexualidade. Depois de se assumir publicamente como "bi" (e daí?), a mineira de 32 anos resolveu escancarar de vez suas obessões. "Homens e mulheres", nitidamente influenciada por Rita Lee, é auto-explicativa ("E eu gosto de homens e mulheres/ E você o que prefere?/ Mulheres na guitarra/ Homens de corpo e mente sã/ Homens vestindo sobretudo/ Mulheres melhor sem soutien"). "Eu Comi a Madona" vai pela trilha do humor ("É dessas mulheres pra comer com dez talheres/ De quatro, lado, frente, verso, embaixo, em pé"). E "Cantinho" descamba para o explícito ("Olhou bem nos meus olhos/ Chupou o meu p*/ Eu falei: Por que a gente não se esquece? Devia ser assim, mas não acontece"). Por essas e outras, o CD vem com um aviso de "Desaconselhável para menores de 18 anos – Conteúdo adulto". Como se esse tipo de letra ainda fosse capaz de chocar.

Mas os fãs de primeira hora não precisam se assustar. O romantismo radiofônico de Ana Carolina continua em alta, principalmente no primeiro CD (batizado de Quarto). Aqui, sobram canções sobre paixões arrebatadoras, reencontros e dores de cotovelo. "Rosas", por exemplo, é a cara das FMs populares. "Toda mulher gosta de rosas e rosas e rosas/ Muitas vezes são vermelhas/ Mas sempre são rosas", diz o refrão, no melhor (ou pior, dependendo do freguês) estilo Michael Sullivan e Paulo Massadas.

A cantora nunca foi tão brega quanto nessa faixa. Curiosamente, também nunca foi tão chique quanto no segundo CD do pacote. Quartinho, como sugere o título, busca o intimismo. Enquanto a sonoridade pop-farofa dá lugar a arranjos com muitas cordas, a cantora troca a agressividade pela delicadeza. Mudanças sutis, claro, mas que provam seu potencial para vôos artísticos maiores.

Otimismo de início de ano à parte, não é que este Dois Quartos tem bastante coisa que presta? GG1/2

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