A Maçã Envenenada, de Michel Laub, é o segundo livro de uma trilogia sobre como personagens lidam com a sobrevivência a uma tragédia pessoal que ecoa uma outra tragédia, histórica. O primeiro foi o elogiado Diário da Queda, que mostra o campo de extermínio Auschwitz como um eco a assombrar uma família de geração em geração. No novo romance, as relações entre o aspecto pessoal e o histórico são mais tênues. O protagonista relembra meses cruciais de sua vida, em 1993, ano da vinda de Kurt Cobain ao Brasil, e os relaciona com o suicídio do cantor, meses depois, e com a provação sofrida por Immaculée Ilibagiza, sobrevivente do genocídio de Ruanda. Dois fatos ocorridos com pessoas reais quase no mesmo dia de 1994.
"Eu já vinha trabalhando em uma história que tinha quartel e Kurt Cobain no meio, mas só tomou forma depois que entrevistei Immaculée e percebi que ela começou a se esconder dos que queriam matá-la no dia seguinte, ou no mesmo dia, talvez, dependendo do fuso horário, em que Kurt Cobain se matou", diz Michel.
Em A Maçã Envenenada, o contraponto entre um ídolo pop que se matou no auge do sucesso e uma mulher que se salvou no meio de um dos mais brutais genocídios da história forma o eixo em volta do qual o narrador reconstrói sua vida entre 1993 e 1994. Forçado a trancar a faculdade de Direito para se matricular no CPOR, o protagonista deve decidir se foge do Exército, correndo o risco de deserção, para encontrar a namorada no show do Nirvana, ou se resolve, antes, uma situação que pode comprometê-lo. Embora Cobain e Immaculée sejam pretextos para as reflexões do narrador, a relação tumultuada do protagonista com a namorada instável e seu drama pessoal é que estão em primeiro plano.
Embora ainda lide com uma estrutura tortuosa, bastante eficiente em esconder, até o limite, quais são os reais eventos que está narrando, A Maçã Envenenada tem uma prosa menos suntuosa que a de Diário da Queda. Na obra anterior, o próprio fato de o narrador ter de lidar com uma extensa bibliografia sobre o assassinato em massa de judeus encorpava a vertente "literária" da narrativa, com uma reflexão não apenas sobre o que foi Auschwitz, mas também sobre o que restará do episódio na memória do mundo dentro de alguns anos. A Maçã Envenenada não se aprofunda tanto, talvez porque fosse impossível mesmo, ao casar rock e genocídio.