Já há alguns anos, críticos que se pretendem bem-informados têm apregoado, a respeito de determinadas séries de tevê, que são muito mais adultas e complexas do que a maioria dos filmes em exibição nas telonas.
Tenho de concordar que pouca coisa que vi no cinema ultimamente capturou minha atenção na mesma medida que Os Sopranos, Irmãos de Guerra, Nos Bastidores do Poder, Deadwood e Mad Men.
Por outro lado, não vejo graça em A Escuta, cujos primeiros episódios me pareceram arrastados. E, quanto ao muito badalado Lost, achei a trama simplista e arbitrária.
Mas o prestígio das séries não se estende aos filmes feitos para a tevê. No entanto, nos últimos dez anos, assisti a duas obras-primas genuínas, comparáveis a qualquer produção cinematográfica.
A única diferença, talvez, era a duração desses filmes de tevê (três horas ou mais) e a relativa pouca atenção que receberam. Parece estranho que obras-primas como essas passem despercebidas, até mesmo para aqueles críticos mais perspicazes e antenados.
Bastidores da Guerra, lançado em 2002, foi o último filme dirigido por John Frankenheimer (1930-2002) antes de morrer. Frankenheimer fez dois dos melhores filmes políticos de todos os tempos Sete Dias em Maio e Sob o Domínio do Mal (a versão original, estrelada por Frank Sinatra e Laurence Harvey, não o remake ridículo com Denzel Washington), além de O Homem de Alcatraz.
Bastidores da Guerra (ainda inédito no Brasil no formato DVD) é um retrato emocionante da presidência de Lyndon Johnson, o homem sem carisma que substituiu Kennedy, e seu crescente envolvimento na Guerra do Vietnã. Michael Gambon interpreta o presidente, e Alec Baldwin e Donald Sutherland estão igualmente inesquecíveis.
Meu foco aqui, porém, é Rastro Perdido, um filme feito para a tevê que descobri em 2006 e assisti novamente há poucos dias em DVD (disponível no mercado brasileiro). Até onde sei, esse filme magnífico nunca foi exibido na tela grande.
Para minha decepção e a de outras pessoas, são muito poucos os westerns feitos hoje em dia, e os lançamentos nesse gênero raramente são dignos de nota. (Não sou tão entusiasta nem mesmo de Os Imperdoáveis, o superpremiado filme de Clint Eastwood.)
Rastro Perdido, no entanto, dirigido por Walter Hill e estrelado por Robert Duvall, parece-me um dos melhores faroestes já feitos, quase à altura dos trabalhos de John Ford, Howard Hawks e Anthony Mann.
Duvall faz o papel de um velho negociante de cavalos. Ele e seu sobrinho (Thomas Haden Church) estão levando seus animais a Wyoming e, como em qualquer romance ou filme de viagem desde Dom Quixote, eles encontram pessoas diversas ao longo do caminho.
O encontro mais importante é com cinco jovens chinesas, algumas não mais do que crianças, recém-chegadas à América e que não falam inglês. Estão ali para serem vendidas como prostitutas.
Duvall e seu sobrinho, além de um caubói e violinista (Scott Cooper) que viaja com eles, tomam as meninas sob sua responsabilidade e as tornam parte de sua jornada.
A relação entre os vaqueiros e as meninas chinesas, com quem eles mal conseguem se comunicar, está entre as mais tocantes que encontrei em muito tempo, nunca exagerada e sem jamais resvalar para o sentimentalismo.
O mesmo se dá com a não relação entre Duvall e uma prostituta já entrada em anos (Greta Scacchi), a qual ele também acolhe, junto com um idoso chinês (Donald Fong).
Quase sem perceber, todos esses personagens formam uma família estranha e taciturna da qual Duvall acaba sem que fosse sua intenção ou pareça heroico de sua parte, mas de forma natural se tornando o bondoso patriarca.
Duvall nem sempre é gentil, claro. Quando seu sobrinho enforca um homem, apazigua a consciência do rapaz. Ele próprio mata outro homem de um grupo que, planejando exterminar índios, lhes vendem cobertores infectados.
Nada, nesse western magistral, é excessivo ou horrendo, como frequentemente é o caso, hoje em dia. Rastro Perdido tem momentos de violência, aventura, perigo, mudo lirismo e emoção, mas também há passagens de admirável quietude, entre elas uma conversa entre Duvall e Scacchi à margem de um rio, que inevitavelmente vai lembrar aos amantes do cinema outra famosa conversa à beira dágua aquela entre James Stewart e Richard Widmark, em Terra Bruta, de Ford.
Rastro Perdido é um daqueles raros filmes e que estão ficando cada vez mais raros em que se gosta de todos os personagens. Eles são pessoas simples, sensíveis, sóbrias, com bons valores morais e senso de humor, mas nunca melosas demais.
Como diz Duvall quando lhe pedem para discursar em um enterro, "do nascimento até a morte, viajamos entre eternidades". Ou, conforme ele explica em outro momento a seu sobrinho: "A gente não estava querendo salvar orientais ou uma puta decadente. Simplesmente aconteceu. Às vezes o negócio é se virar para resolver o que aparece."
*O madrilenho Javier Marías é nome importante da literatura espanhola atual, com frequência cotado para o Prêmio Nobel de Literatura. É autor de mais de 30 livros, incluindo a trilogia Seu Rosto Amanhã, publicada no Brasil pela Companhia das Letras.
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