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Trabalho de limpeza no Museu Guido Viaro. Um dos espaços mais democráticos da cidade foi vítima de vandalismo ou painel para uma arte injustiçada? | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Trabalho de limpeza no Museu Guido Viaro. Um dos espaços mais democráticos da cidade foi vítima de vandalismo ou painel para uma arte injustiçada?| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Flagrantes de pichação caem 34% em um ano

Angieli Maros

A campanha "Pichação é crime. Denuncie", lançada em 2012 em Curitiba, desacelerou e causou impacto nas denúncias de pichações recebidas pela Guarda Municipal no ano passado. Após praticamente triplicar entre 2009 e 2013 (primeiro ano com ações efetivas voltadas ao combate do ato, considerado crime), o número de denúncias feitas ao órgão caiu cerca de 30%, passando de 2.131 em 2013 para 1.474 em 2014. Os dados são da Guarda Municipal.

O número de flagrantes também diminuiu, quase na mesma proporção: foram 34% de apreensões a menos em 2014 na comparação com o ano anterior, passando de 345 para 246.

Ainda no mesmo período, inverteu-se a principal faixa etária dos apreendidos: enquanto em 2013 – assim como em 2012 – a maior parte dos flagrantes foi de adolescentes, no ano passado foi maior a quantidade de adultos abordados pela Guarda (124 adultos e 122 adolescentes).

Camilo Turmina, vice-presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP), entidade que comanda as ações da campanha, ressaltou que, assim como há um "equilíbrio" de apreensões por faixa etária, também não há disparidade evidente no perfil social de quem picha. "Não tem, definitivamente, diferenciação de classe social. É tanto o cara que tem dinheiro e suporte como aquele que não tem grana", disse.

Segundo o vice-presidente, as ações da campanha para este ano devem ser retomadas com mais força após o carnaval, quando serão restituídos os mutirões para limpar fachadas de comércios pichados.

Outro empenho da ACP será para definir, juntamente com o Ministério Público do Paraná, uma penalização mais severa para quem cometer este tipo de crime. Atualmente, quem é flagrado tem de pagar multa R$ 1.693,84 – valor que, antes da campanha, era de R$ 714,29.

A intenção é de que, agora, além da multa, o pichador também passe por uma "reciclagem", cumprindo horas em programas educativos elaborados de maneira específica. "Vamos agora para a última etapa, que é a educação. É preciso incluir isso na campanha porque pichação é só o primeiro passo. Depois vêm crimes piores", analisa Turmina.

Grafite vale

De acordo com o vice-presidente da entidade, nenhum ato de pichação pode ser desassociado do vandalismo. "Não há pichação sem crime", comenta. Para ele, a única forma reconhecida como expressão artística é o grafite, que, por sua vez, é algo "dentro dos conformes". "Eles solicitam uma autorização, há uma proposta e um entendimento com o proprietário do imóvel para que se faça uma obra de arte."

Para a ACP, o principal prejuízo da pichação é a desvalorização do imóvel e do comércio. "Isso reflete em toda a sociedade, que paga por essas práticas", conclui Turmina.

Entrevista

Pichador do museu diz que ato foi consciente

Ele tem 23 anos, é integrante do grupo de pichação Panibop/Grife PD5, e picha desde os 14. O* foi um dos responsáveis pela intervenção no Museu Guido Viaro, semana passada

Confira entrevista completa

Entrevista

"O modernismo não chegou onde os pichadores estão chegando"

O sociólogo Sérgio Franco pode ser considerado um "assessor cultural" dos pichadores paulistanos. Ele foi o responsável pela ida de brasileiros à Bienal de Berlim de 2012, onde os artistas de rua se recusaram a intervir em um espaço pré-definido e picharam uma igreja

Confira entrevista completa

A fundo

Disponível no Netflix e realizado com apoio da Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, o documentário Pixo fala sobre a memória e o momento atual da pichação.

  • Fachada pichada no Centro de Curitiba: para a Associação Comercial do Paraná, principal prejuízo é a desvalorização do imóvel
  • Djan Ivson diz que relutou antes de entrar no mercado artístico

A pichação que apareceu na fachada do Museu Guido Viaro, em Curitiba, no último dia 15, gerou comoção por parte dos admiradores do local e de quem repudia o ato. Mas a ação no prédio de 1930, considerada crime ambiental, também ganhou algumas manifestações de apoio. A pichação é considerada uma forma de expressão legítima e necessária por quem a compreende como um produto da desigualdade social e da falta de acesso a serviços básicos como a educação. E sua presença na fachada de um museu privado, em última instância, colocou na prancheta diversas questões sobre os limites da arte.

Em São Paulo, três manifestos de pichadores em espaços culturais a partir de 2008 resultaram em fama internacional para os autores. Nesta semana, Curitiba percebeu que esse pensamento ressoa por aqui. É o que demonstrou um manifesto anônimo publicado na internet, na sequência da pichação ao Guido Viaro, de acordo com o qual "é preciso pensar na cadeia de legitimação onde alguns podem construir seus próprios museus e outros que tem suas vivências/criações silenciadas e tratadas como crime".

Respostas a essa postura também surgiram, especialmente porque o museu em questão é um dos espaços culturais mais democráticos da cidade. A entrada é gratuita, e lá são oferecidos concertos e palestras. O espaço também dedica uma sala a Dalton Trevisan e, ironia à parte, há alguns anos exibiu o documentário Exit Through the Gift Shop, sobre Banksy, o polêmico artista de rua e ativista inglês. O museu foi aberto há cinco anos e não tem nenhum subsídio público.

A pichação do museu foi feita por integrantes ligados à grife PD5 (Pichador de 5 Estrelas) – "clã" que reúne cinco grupos (ou "crews"): Cretinos, Os Careta, Panibop, Lakdos e Poetas. De acordo com O., integrante da Panibop que fez parte da ação, o alvo foi escolhido a dedo para o ato de protesto.

Significados

Arte, protesto ou crime? Para a professora de História Social da Arte Elisabeth Seraphim Prosser, que observou e registrou a arte de rua entre 2004 e 2009 para sua tese de doutorado, a pichação do Museu Guido Viaro suscita mais de uma leitura. Quem a fez pode estar protestando contra a própria arte, questionando sua legitimidade. Ou pode estar querendo dizer que tudo é arte, ao colocar-se tão artista quanto quem está do lado de dentro do museu.

Elisabeth questiona a ação contra obras de outros artistas, lembrando que, dentro do próprio movimento da pichação, há uma ética que protege as pichações de um autor de serem "atropeladas" por outras. Mas lembra que, independentemente do alvo, a essência da intervenção é mesmo o confronto. "É uma transgressão contra o próprio sistema, que é visto como imposto pelos segmentos dominantes da sociedade, contra os quais a maioria [dos pichadores] protesta. Mas é um protesto contra algo difuso", diz.

Num primeiro momento, ser alvo de um protesto antimuseus fez Guido Viaro, administrador do acervo do avô de quem herdou o nome, repensar as atividades gratuitas. Somando todos os compartilhamentos via Facebook da matéria em que a Gazeta do Povo noticiou o fato, Viaro contou 35 mil comentários, sendo "99% indignados com a pichação".

Para o artista visual Valdecir Morais, o "Valdecimples", um dos pioneiros da cena do grafite em Curitiba, o pichador não escolhe o alvo com alguma intenção estratégica. "Um pichador comum pode nem saber que é um museu, assim como a maioria das pessoas. Em Curitiba, poucos sabem bem o que é um museu, o que é grave. É uma população que não tem consciência dos seus próprios bens. E os pichadores entram neste mesmo perfil", analisa.

Mas ele admite que em Curitiba existe a sobreposição intencional de outras obras artísticas, como no caso das pichações feitas em "suportes" claramente caracterizados como obras de arte, como os murais de Poty Lazzarotto e Erbo Stenzel na Praça 19 de Dezembro. "É feito conscientemente, com o intuito de agredir a cidade e sua arte – embora não se trate propriamente de 'agredir', já que a tinta não mata, só altera a paisagem", diz Valdecimples.

"Invasor" de bienal já expôs em Paris

Helena Carnieri

Idealizador da invasão de pichadores à "Bienal do Vazio", em 2008, Djan Ivson Silva, morador de Osasco (SP), hoje vende telas cuja estética é inspirada nas tipografias da pichação. O jovem tem compradores europeus e trabalha com marchands de arte.

A entrada de jovens de periferia e suas latas de spray no coração da arte contemporânea brasileira, a Bienal de São Paulo, no Ibirapuera, foi definida por ele como um "enquadramento no projeto curatorial": afinal, os curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen haviam declarado estar abertos a intervenções urbanas. "Estou inteirado sobre esse discurso, já dei palestras, ajudo pesquisas acadêmicas. Aproveitamos a brecha", contou à Gazeta do Povo, por telefone.

A ação de 2008, em que participaram cerca de 40 jovens e que terminou em repressão e na prisão de Caroline Pivetta da Mota, resultou num convite pela Fundação Cartier para uma exposição em Paris. Depois, o "fluxo aumentou": a Bienal de 2010 convidou os mesmos pichadores expulsos na edição anterior para expor "pacificamente".

Quando veio o convite para entrar no mercado da arte, Djan conta ter relutado. Ele levou quatro anos para pensar numa forma de "entrar no jogo sem perder a integridade". "Pensei que, se alguém tem que representar os pichadores, temos que ser nós. Porque tem várias pessoas se apropriando da nossa estética, até em logomarcas, e o pichador sempre está de escanteio. Demonizado pela sociedade, absorvido por parte dela. Isso começou a me incomodar."

Para Djan, o único problema seria negociar espaço na rua, algo de que acusa o movimento do grafite. "O que move o 'pixo' é a liberdade."

Sobre a pichação do Museu Guido Viaro, Djan acha "justo". "Mesmo que não tenha motivação definida, só o ato de pichar já é político. Dificilmente o pichador seria convidado para expor. Acho justo. Fui escolhido pelo destino para representar o movimento."

Interatividade

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