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Cineasta foi morto pelo filho em fevereiro de 2014. | Divulgação/
Cineasta foi morto pelo filho em fevereiro de 2014.| Foto: Divulgação/

Entrevistar Eduardo Coutinho (1933-2014) deve ser tipo tocar baixo com Paul McCartney ou guitarra com Jimmy Page. Em 2013, o diretor Carlos Nader (de Homem Comum) topou a parada e fez o mestre do documentário nacional virar personagem no filme sobre o autor de Cabra Marcado Para Morrer (1984), em cartaz nos cinemas de Curitiba. Com jeitão de bate-papo desvairado, o documentário percorre grandes momentos da filmografia do paulistano. E dura um maço de cigarros.

Eduardo Coutinho, 7 de Outubro, é esclarecedor, já que expõe de maneira orgânica o modus operandi do documentarista e a visão humanizadora e também niilista que tem sobre o cinema. Bom lembrar, como já se disse, que as obras de Coutinho não são filmagens da verdade, mas a verdade das filmagens. Neste sentido, Nader dá um interessante nó na coisa toda ao convidar a própria equipe do cineasta para rodar o filme, do eletricista à montadora.

Ao comentar trechos de suas obras (há um sorteio em que cada número indica um personagem), Coutinho reforça as escolhas que o fizeram ser quem é: um sujeito interessado no extraordinário que nos faz humano. Por exemplo, um aposentado desiludido que quase voa quando interpreta “My Way” (Edifício Master); ou uma senhora pobre e analfabeta, fã de Beethoven, que jura ter sido uma rainha rica em outra encarnação (Santo Forte). Na verdade, Coutinho nos pergunta a cada filme: ficção para quê?

Fumando como chaminé, o cineasta explica o que chama de “justa distância, posicionamento em que as pessoas se matam ou se amam.” É aquele momento no espaço-tempo em que tudo pode acontecer. Uma espécie de aleph particular, onde, em meio à tensão do improvável, principalmente durante as entrevistas, o documentarista e seu personagem se sentem à vontade. E aí surgem frases matadoras, gestos impressionantes, lágrimas inesperadas. É o efeito Coutinho.

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Perfeição estética nunca foi a dele. O diretor de Jogo de Cena (2006) apostou no “inacabado, no impuro, no imperfeito, no precário.” No humano, enfim. “Temos de estar de certa forma um pouco vazios para receber as informações que as pessoas querem nos contar”, confessa a certa altura do documentário.

Sua missão por aqui foi a de dar voz a quem não tinha. Não por solidariedade, mas por desejo (até egocêntrico) em criar momentos em que nos enxergamos profundamente. Porque só nos reconhecemos quando somos refletidos no outro. Ser ouvido é ser legitimado. “Mas quem está preocupado em legitimar o outro se podemos legitimar a nós mesmos?”, pergunta.

Não há nada de mítico em que faz. Eduardo Coutinho (com virtudes e vícios) reforça que retornar ao entrevistado – exceto no caso de Cabra Marcado Para Morrer, quando precisava terminar de contar a história – é um risco. E talvez seja a percepção coletiva de uma fraude, “porque a rotina é insuportável.” A história extraordinária é rara, existe num momento único. Estamos de acordo com o documentarista: lembrar do tempo vivido é muito mais forte do que viver.

Mimetizador da verdade, Coutinho criou momentos iluminados e fez deles sua obra. Até o fim, quando foi assassinado por seu próprio filho. Para que ficção?

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