A ditadura militar promovida por Augusto Pinochet parece ser uma ferida incurável para os chilenos e, por isso mesmo, uma possibilidade natural de inspiração artística. Recentemente, ótimos livros como Formas de Voltar Para Casa, de Alejandro Zambra, e O Inventário das Coisas Ausentes, de Carola Saavedra, remoeram de maneira sensível e pessoal o período entre 1973 e 1990, em que, de acordo com o último relatório oficial divulgado pelo governo do país andino, em 2011, 40.280 pessoas foram executadas, torturadas ou estão desaparecidas. No cinema, o filme No, de Pablo Larraín, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013, deu dimensões internacionais ao período. E agora o documentário Nostalgia da Luz (2010), de Patrício Guzmán, em cartaz nos cinemas de Curitiba, retoma o assunto, embora desdobre estes 17 anos em subleituras improváveis que envolvem tanto a astronomia quanto a arqueologia.
Rodado no deserto do Atacama, no norte do Chile, o filme, em sua primeira parte, acompanha o trabalho de Gaspar Galaz em uma estação de observação extraplanetária instalada por astrônomos europeus e norte-americanos em 1962. Uma breve explicação sobre a relação tempo/espaço – a luz do sol demora oito minutos para chegar à Terra; portanto, tudo o que vemos e vivemos está teoricamente no passado – serve de argumento para explicar que o presente na verdade não existe.
É exatamente este sentimento de despertencimento o fio condutor de Nostalgia da Luz. Porque, na sequência, nos são apresentadas as “mulheres do Atacama”, legião de parentes de pessoas mortas durante a ditadura que, há mais de 30 anos, escavam o solo esturricado em busca de ossos – e de lembranças. Explica-se: durante o governo Pinochet, também no Atacama, minas abandonadas foram transformadas em uma espécie de campo de concentração. Presos políticos eram torturados; e seus corpos descartados no deserto, como relembra o arqueólogo Lautaro Nuñez, interessado em vestígios de civilizações antigas que um dia viveram por ali. O passado revive também com a ajuda da memória do arquiteto Miguel Lawner – ex-preso político que retratou cenas de horror do período por meio de desenhos precisos.
A “química” entre os relatos, a narrativa poética, a profundidade dos personagens, a emoção bem dirigida – é de chorar o depoimento da dupla Victoria Saavedra e Violeta Berrios, duas das senhoras que vasculham o deserto em busca dos seus -- ajudam a destrinchar a complexa realidade do Chile, que tenta cada vez mais tenta acertar as contas com a ditadura.
Prêmios
O filme foi contemplado com prêmios como o Grande Prêmio da Academia Europeia de Cinema, em 2010; o Prêmio de Melhor Documentário nos festivais de Guadalajara, no México, Yamagata, no Japão, Los Angeles, nos EUA, e Toronto, no Canadá. Em 2010, Patricio Guzmán recebeu no Festival do Rio o prêmio Fipresci pelo conjunto da obra. Não à toa. A premissa pode parecer ousada e até confusa, mas o documentário, acredite, é um desses pequenos filmes imperdíveis.
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