Vida pós-Dogma
Veja o que alguns dos diretores fundamentais do Dogma 95 andam fazendo:
Thomas Vinterberg
O premiado diretor dinamarquês de Festa da Família realizou o irregular Dogma do Amor, com os astros hollywoodianos Joaquin Phoenix, Claire Danes e Sean Penn. Em seguida, fez o interessante e violento Querida Wendy, com Jamie Bell (de Billy Elliot) e Allison Pill, a Zelda Fitzgerald, de Meia-noite em Paris. Seu filme mais recente é o drama familiar Submarino, realizado na Dinamarca.
Lars von Trier
Mais bem-sucedido dos diretores do Dogma 95, Von Trier, de Os Idiotas, venceu a Palma de Ouro, em 2000, com Dançando no Escuro. Dirigiu, entre outros, os polêmicos Dogville (2003), com Nicole Kidman, Anticristo (2009), estrelado por Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe, e está atualmente em cartaz no Brasil com Melancolia, que deu a Kirsten Dunst o prêmio de melhor atriz em Cannes neste ano.
Søren Kragh-Jacobsen
Diretor do premiado Mifune, o diretor dinamarquês tem se dedicado mais a produções para a televisão.
Lone Scherfig
Também dinamarquesa, a cineasta fez um dos títulos mais populares do Dogma 95, Italiano para Iniciantes. Em 2009, fez sucesso internacional com o drama Educação, indicado ao Oscar de melhor filme e estrelado pela britânica Carey Mulligan. Seu longa mais recente é a love story Um Dia, baseada no best seller de David Nicholls, com Anne Hathaway e Jim Sturgess.
Normas
Conheeça o conjunto de regras originais do manifesto Dogma 95:
1 - As filmagens devem ser feitas em locações. Não podem ser utilizados acessórios ou cenografia se a trama requer um acessório particular, deve-se escolher um ambiente externo onde ele possa ser encontrado.
2 - O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa. A música não poderá ser utilizada a menos que seja diegética, captada no local onde a cena foi rodada.
3 - A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos ou a imobilidade devidos aos movimentos do corpo.
4 - O filme deve ser colorido. Não se aceita nenhuma iluminação especial. Se houver muito pouca luz, a cena deve ser cortada na edição final, ou pode ser colocada uma única lâmpada sobre a câmera.
5 - São proibidos os truques fotográficos e filtros.
6 - O filme não deve conter nenhuma ação "superficial", como homicídios ou uso de armas.
7 - São proibidos os deslocamentos temporais ou geográficos. O filme ocorre na época atual e não pode ser "histórico".
8 - São descartados os filmes de gênero.
9 - A edição final deve ser transferida para cópia em 35 mm, padrão, com formato de tela 4:3. Originalmente, o regulamento exigia que o filme deveria ser filmado em 35 mm, mas a regra foi mudada para permitir a realização de produções de baixo orçamento em formato digital.
10 - O nome do diretor não deve figurar nos créditos.
Mudanças
O cineasta Thomas Vinterberg (de Festa de Família), no Festival Internacional de Karlovy Vary, em fevereiro de 2005, acrescentou novas regras ao manifesto:
- A gravação deve ser feita em formato digital;
- As filmagens devem ocorrer na Escócia;
- As filmagens não podem ultrapassar o prazo de seis semanas;
- O custo total do filme não pode ultrapassar a quantia de 1 milhão de libras esterlinas.
Movimentos artísticos não costumam ter data e horário marcados para começar. Consolidam-se ao longo do tempo, sem obedecer a um conjunto de normas e princípios preestabelecidos, que podem até de alguma forma já existir na prática, mas apenas se tornam mais evidentes a partir da observação atenta das obras. Sejam elas pinturas, filmes ou composições musicais, que compartilhem traços significativos de ordem estética, formal ou ideológica. O Dogma 95, manifesto que nasceu na Dinamarca, quando os cineastas Lars von Trier e Thomas Vinterberg, uniram-se para propor uma alternativa radical ao chamado cinema comercial, de características mais hollywoodianas, não poderia, portanto, se autoproclamar um movimento. Ou teria esse direito?
Pouco mais de 16 anos se passaram desde que Von Trier e Vinterberg formularam as regras do Dogma 95, documento que levou, reza a lenda, apenas 45 minutos para ser formulado, para depois ser apresentado no Odéon Théatre de LEurope, em Paris, no dia 20 de março de 1995, aonde Von Trier havia sido chamado para celebrar o centenário do nascimento do Cinema. Hoje, fica no ar a dúvida da validade do manifesto. Embora haja fortes indícios de que, ainda que tenha sido também um golpe de marketing para chamar a atenção para a produção escandinava da época, seus reflexos no que se faz em termos de audiovisual ao redor do mundo são evidentes, do cinema dito de arte à publicidade, passando, é claro, pela produção mainstream à qual, justamente, queria se contrapor.
Atualmente em cartaz no Brasil com seu mais recente longa-metragem, Melancolia, Von Trier há tempos se distanciou de boa parte das regras (confira quadro ao lado) que ele mesmo ajudou a eleborar e colocar em prática, na íntegra, em Os Idiotas (1998). Assim como Thomas Vinterberg o fez em seu filme mais importante, o perturbador Festa de Família (1998), que ganhou o Prêmio do Júri em Cannes e chegou a ser indicado ao Globo de Ouro de melhor produção estrangeira.
Já em Dançando no Escuro, que deu a Von Trier a Palma de Ouro em 2000, apenas dois anos ápós a divulgação do manifesto, a trilha sonora, a quebra da linearidade, a captação indireta de som, o uso sofisticado de recursos de iluminação e de fotografia e, sobretudo, a opção por um gênero cinematográfico específico o musical , ainda que para subvertê-lo, já demonstravam que o Dogma, pelo menos para o diretor, havia sido, em certa medida, fogo de palha. Mas estavam e continuam presentes em seu cinema o uso de câmeras digitais, muitas vezes na mão, de forma tensa e orgânica, na busca por estar dentro da cena, com o intento de fazer o espectador internalizar o que se passa na trama e no interior dos personagens.
Digital
Para o cineasta paranaense Luciano Coelho, que no dia 20 lança, na Cinemateca, o seu curta de ficção Medo de Sangue, o Dogma foi contemporâneo do aparecimento do vídeo digital, acessível aos cineastas independentes, e foi pioneiro no uso desses equipamentos. "Em termos estéticos, o que fizeram foi retomar a postura de cineastas independentes, como John Cassavetes [de filmes clássicos como Sombras (1958) e Faces (1968)], utilizando-se das novas câmeras para contar histórias sobre as relações humanas. Em termos de conteúdo, eu continuo preferindo o cinema de Cassavetes."
Da nova geração de realizadores e agitadores do meio cinematográfico de Curitiba, Terence Keller acredita que o Dogma obedece, de certa maneira, à receita dos discursos que geraram a Nouvelle Vague e o Cinema Novo: refutar o que se fez até o momento e propor um novo cinema, redentor e revolucionário. "A proposta era evitar os vícios individualistas que tornaram a Nouvelle Vague uma arte burguesa e repudiar o entretenimento hollywoodiano dos orçamentos milionários. O desafio é pretensioso: faça um filme cru, de roteiro e atuação, com baixo orçamento e sem direção. Apesar de todos saberem quem dirigiu Os Idiotas e Festa de Família, de fato, o resultado são filmes interessantes e congêneres."
Movimento
Embora seja mais um manifesto do que um movimento, na medida em que os diretores de vários países passaram a adotar suas regras total ou parcialmente, muitos creem que o Dogma 95 tenha desencadeado uma nova forma de se pensar o cinema à época em que surgiu. "Parte de um desafio, quase uma brincadeira, especialmente quando se considera que uma comissão confere um certificado aos filmes que respeitaram as regras do manifesto. E esse caráter irreverente se reafirma quando se observa as novas regras lançadas em 2005, entre as quais está gravar os filmes na Escócia", lembra Keller.
Não há dúvidas, entretanto, de que, brincadeira ou golpe de marketing, o Dogma 95 deixou um rastro. "Acho que há um legado com relação à atitude. Muitos cineastas jovens, e outros não tão jovens, perceberam a possibilidade de fazer filmes de baixo orçamento, tomando partido disso e das caracterîsticas do Dogma para emprestar realismo a histórias sobre relações humanas", constata Coelho. Keller completa que "os avanços tecnológicos permitem que qualquer um produza com baixos custos, em formato digital. Neste sentido podem ser encontradas semelhanças entre algumas produções independentes na atualidade e os filmes do Dogma 95".
Entre os filmes brasileiros que sofreram alguma influência, o curta-metragista e produtor cultural cita os longas Contra Todos (2003), de Roberto Moreira, e A Falta Que Nos Move (2009), de Christiane Jatahy, "mas considerar essas produções como decorrentes do movimento dinamarquês seria exagerado."
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